1 de dezembro de 1997

O eurocentrismo e os seus avatares: Os dilemas das ciências sociais

Immanuel Wallerstein



Tradução / As ciências sociais tem sido eurocêntricas ao longo de toda sua história institucional, o que significa desde que passou a ter departamentos de ensino de ciências sociais nos sistemas universitários. Isso não é nenhuma surpresa. As ciências sociais são produto do sistema do mundo moderno, e o Eurocentrismo é constitutivo da geocultura do mundo moderno. Além disso, com uma estrutura institucional, as ciências sociais se originaram em grande parte na Europa. Utilizaremos a Europa aqui mais como expressão cultural do que cartográfica, neste sentido, na discussão sobre os últimos dois séculos, estamos nos referindo, principalmente ou em conjunto, à Europa ocidental e América do Norte. A disciplina de ciências Sociais, de fato, ficou esmagadoramente restrita, ao menos até 1945, a apenas cinco países – França, Grã Bretanha, Alemanha, Itália e Estados Unidos. Ainda hoje, apesar da disseminação global das ciências sociais como atividade, a grande maioria dos cientistas sociais em todo o mundo continua a ser europeu. A ciência social surgiu em resposta aos problemas europeus, em um momento da história em que a Europa dominou todo o sistema mundial. Era praticamente inevitável que a escolha do assunto, da teoria, da metodologia e da epistemologia refletisse as limitações do local no qual nasceu.

No entanto, no período que se inicia em 1945, a descolonização da Ásia e África, além da fortemente acentuada consciência política por todos os lugares do mundo não europeu, isso afetou o mundo do conhecimento, tanto quanto afetou a política do sistema mundial. Uma das principais diferenças hoje, e na verdade, há uns trinta anos, pelo menos, é que o “Eurocentrismo” das ciências sociais tem estado sob ataque, grave ataque. O ataque é naturalmente justificável, e isto está fora de questão, se as ciências sociais deseja fazer qualquer progresso no século vinte um, é necessário superar a herança Eurocêntrica que distorceu suas análises e sua capacidade de lidar com os problemas do mundo contemporâneo. Se, no entanto, temos que fazer isso, nós precisamos ter um olhar cuidadoso sobre o que constitui o Eurocentrismo, pois, como veremos, é um monstro com cabeça de hidra e tem muitos avatares. Não vai ser fácil abater o dragão rapidamente. De fato, se não tivermos cuidado, sob o pretexto de tentar lutar contra isso, podemos de fato criticar o Eurocentrismo usando premissas eurocêntricas e, assim, reforçar o seu poder sobre a comunidade de estudiosos.

A acusação

Há pelo menos cinco maneiras diferentes de dizer que a ciência social é Eurocêntrica. Estes não constituem um conjunto logicamente apertado de categorias, uma vez que se sobrepõem de forma pouco clara. Ainda assim, ele pode ser útil para analisar as alegações em cada rubrica. Têm-se argumentado que a ciência social, manifesta o seu Eurocentrismo: (1) na sua historiografia, (2) na paroquialidade de seu universalismo, (3) em seus pressupostos sobre a civilização (ocidental), (4) no seu orientalismo, e (5) nas tentativas de imposição da teoria do progresso.

1. Historiografia

Esta é a explicação da dominação europeia do mundo moderno em virtude de conquistas históricas específicas da Europa. A historiografia é provavelmente fundamental para as outras explicações, mas também a variante mais obviamente ingênua cuja validade é a mais facilmente posta em questão. Os europeus nos últimos dois séculos, sem dúvida, sentaram-se no topo do mundo. Coletivamente, eles têm controlado os países mais ricos e poderosos militarmente. Eles têm desfrutado a mais avançada tecnologia e foram os principais criadores desta tecnologia avançada. Esses fatos parecem largamente incontestáveis, e são realmente difíceis de contestar plausivelmente. A questão é o que explica essa diferença em potência e padrão de vida com o resto do mundo. Um tipo de resposta é que os europeus fizeram algo meritório e diferente dos povos em outras partes do mundo. Isto é o que se entende por estudiosos que falam do “milagre europeu” (por exemplo, Jones, 1981). Os europeus lançaram a revolução industrial ou crescimento sustentado, ou eles lançaram a modernidade, ou o capitalismo, ou burocratização, ou a liberdade individual. Naturalmente, vamos precisar então definir esses termos com bastante cuidado e descobrir se foram realmente os europeus que lançaram o que quer que cada uma dessas novidades supostamente é, e se assim for, exatamente quando.

Mas, mesmo se concordarmos sobre a definição e o momento, e, portanto, por assim dizer sobre a realidade desses fenômenos, teríamos, na verdade, explicado muito pouco. Pois devemos então explicar por que é que os europeus, e não outros lançaram os fenômenos especificados, e por que eles fizeram isso em um determinado momento da história. Na busca de tais explicações, o instinto da maioria dos estudiosos tem sido nos empurrar para trás na história, nas pistas de presumidos antecedentes. Se os europeus no século XVIII ou XVI fizeram x, dir-se-á ser, provavelmente porque seus ancestrais (ou ancestrais atribuídos, que pela ascendência, pode ser menos biológica do que cultural, ou declaradamente cultural) fizeram, ou foram, y no século XI, ou, no século V aC ou ainda mais para trás. Todos nós podemos pensar nas múltiplas explicações que, uma vez estabelecidas ou pelo menos afirmadas sobre algum fenômeno que ocorreu no décimo sexto – décimo nono séculos, continue a nos empurrar para trás, para vários momentos anteriores da ascendência europeia para a variável verdadeiramente determinante.

Existe aqui uma premissa que não é realmente escondida, mas que não foi discutida durante muito tempo. A premissa é que o que quer que seja a novidade responsável pela Europa no décimo sexto ao décimo nono séculos, essa novidade é uma coisa boa, uma das quais a Europa deve se orgulhar, da qual o resto do mundo deve sentir inveja, ou pelo menos apreciar. Esta novidade é percebida como uma conquista, e inúmeros livros testemunharão este tipo de avaliação.

Me parece restar poucas dúvidas de que a historiografia atual da ciência social mundial expressou tal percepção da realidade em um grau muito elevado. Essa percepção de curso pode ser contestada por várias razões, e isso tem sido cada vez mais comum nas últimas décadas. Pode-se questionar a precisão da imagem do que aconteceu, na Europa e no mundo como um todo do século XVI ao XIX. Pode-se certamente questionar a plausibilidade dos presumidos antecedentes culturais do que aconteceu neste período. Pode-se implantar a história do décimo sexto ao décimo nono séculos em uma duração mais longa, de vários séculos a mais de tempo para dezenas de milhares de anos. Se alguém faz isso, a pessoa geralmente argumenta que as “conquistas” da Europa do século XVI ao século XIX, assim pareceriam menos notáveis, ou mais como uma variante cíclica, ou menos como realizações que podem ser creditadas principalmente à Europa. Finalmente pode-se aceitar que as novidades eram reais, mas argumentar que elas tiveram mais efeitos negativos do que positivos.

Este tipo de historiografia revisionista é muitas vezes persuasivo no detalhe, e, certamente, tende a ser cumulativo. Em um certo momento, o desmascaramento, ou desconstrução, pode tornar-se generalizado e, talvez, uma contra-teoria possa surgir. Este é, por exemplo, o que parece estar acontecendo (ou já aconteceu) com a historiografia da Revolução Francesa, onde a chamada interpretação social que tinha dominado a literatura por, pelo menos, um século e meio, foi desafiada e, em seguida, derrubada em certo grau nos últimos trinta anos. Nós provavelmente estamos entrando agora no que podemos chamar de mudança paradigmática na historiografia básica da modernidade.

Sempre que uma mudança desse tipo acontece devemos, no entanto, respirar profundamente, dar um passo para trás e avaliar se as hipóteses alternativas são realmente mais plausíveis, e acima de tudo, se elas realmente rompem com as premissas fundamentais subjacentes às hipóteses anteriormente dominantes. Esta é a questão que gostaria de levantar em relação à historiografia que o Europeu presume como conquistas do mundo moderno. Ela está sob ataque. O que está sendo proposto como um substituto? E quão diferente é essa substituição? No entanto, antes de podermos enfrentar esta grande questão, temos que rever algumas das outras críticas ao eurocentrismo.

2. Universalismo

Universalismo é a visão de que existem verdades científicas que são válidas em toda a totalidade do tempo e do espaço. O pensamento europeu dos últimos séculos tem sido em sua maior parte fortemente universalista. Essa era a época do triunfo cultural da ciência como uma atividade do conhecimento. A ciência deslocou a filosofia da modalidade mais prestigiada do conhecimento e da arbitragem do discurso social. A ciência de que estamos a falar é a ciência cartesiana newtoniana. Suas premissas foram as de que o mundo era governado por leis deterministas que tomam a forma de processos de equilíbrios lineares, e que, ao afirmar tais leis como equações universais reversíveis, temos apenas o conhecimento necessário, além de um conjunto de condições iniciais para nos permitir prever o estado do sistema em qualquer tempo futuro ou passado.

O que isso significava para o conhecimento social parecia claro. Os cientistas sociais podem descobrir os processos universais que explicam o comportamento humano, e toda hipótese que eles poderiam verificar foi pensada ​​para manter-se ao longo do tempo e do espaço, ou devem ser feitas de tal maneira que preservem sua verdade através do tempo e espaço. A persona do estudioso era irrelevante, uma vez que os estudiosos estavam operando como analistas neutros e sem valoração. E o locus da evidência empírica poderia ser essencialmente ignorado, desde que os dados fossem tratados corretamente, uma vez que os processos foram pensados ​​para serem constantes. No entanto, as consequências não eram muito diferentes no caso desses estudiosos cuja abordagem era mais histórica e ideográfica, muitos assumiram a existência de um modelo subjacente de desenvolvimento histórico. Todas as teorias – Partindo de Comte, Spencer ou Marx, para escolher apenas alguns nomes de uma longa lista – eram principalmente as teorizações sobre o que tem sido chamado de interpretação Whig da história, a presunção de que o presente é a melhor época de sempre e que o passado levou inevitavelmente ao presente. E a escrita histórica, mesmo com seu empirismo, por mais que proclamasse aversão à teorização, tendiam, no entanto, a refletir subconscientemente uma fase subjacente da teoria.

Seja na forma ahistórica do tempo reversível dos cientistas sociais nomotéticos ou a forma diacrónica da fase teórica dos historiadores, a ciência social europeia foi resolutamente universalista em afirmar que tudo o que aconteceu na Europa, do décimo sexto ao décimo nono séculos representou um padrão aplicável a todos os lugares, seja porque foi uma conquista progressiva da humanidade, que era irreversível ou porque isso representava a satisfação das necessidades básicas da humanidade através da remoção de obstáculos artificiais a esta realização. O que você viu agora na Europa não foi apenas bom, mas o rosto do futuro em todos os lugares.

As teorias universalizantes têm sempre que atacar a situação específica de um determinado tempo e lugar que não pareça se encaixar no modelo. Há também estudiosos que sempre argumentavam que generalizações universais eram intrinsecamente impossíveis. Mas nos últimos 30 anos um terceiro tipo de ataque foi feito contra as teorias universalizantes da ciência social moderna. Tem sido argumentado que essas teorias supostamente universais não são, na verdade universais, mas sim uma apresentação do modelo histórico ocidental como se fosse universal.

Joseph Needham há algum tempo atrás designou como o “erro fundamental do eurocentrismo… o postulado tácito de que a ciência moderna e a tecnologia, que de fato se enraizaram na Europa do Renascimento, são universais, do que se segue que tudo isso é europeu”.[1]

A Ciência Social Europeia, assim, foi acusada de ser eurocêntrica na medida em que foi particularista. Mais que eurocêntrica, dizia-se ser altamente paroquial. Esta ferida surtiu efeito rapidamente, já que a ciência social moderna especificamente, se orgulhou de ter se elevado acima do paroquial. Na medida em que esta acusação parecia razoável, isso era muito mais revelador do que simplesmente afirmar que as proposições universais ainda não tinham sido formuladas de uma forma que pudessem representar todos os casos.

3. Civilização

Civilização refere-se a um conjunto de características sociais que são contrastadas com primitivismo ou barbárie. A Europa moderna se considerava mais do que simplesmente uma “civilização” entre várias; ela se considerava-exclusivamente ou, pelo menos, especialmente-‘civilized ‘. O que caracteriza esse estado de ser civilizado não é algo sobre o qual haja um consenso óbvio, até mesmo entre os europeus. Para alguns, a civilização se articulava com a “modernidade”, isto é, no avanço da tecnologia e no aumento da produtividade, bem como a crença cultural na existência do desenvolvimento histórico e do progresso. Para outros, a civilização significou o aumento da autonomia do “indivíduo” vis-à-vis todos os outros atores sociais- a família, a comunidade, o Estado, as instituições religiosas. Para outros, a civilização significava o comportamento não-brutal na vida cotidiana, costumes sociais no sentido mais amplo. E para outros ainda, a civilização significou o declínio ou redução do âmbito da violência legítima e a ampliação da definição de crueldade. E, claro, para muitos, a civilização envolveria vários ou todos estes traços em combinação.

Quando os colonizadores franceses no século XIX falaram de la mission civilisatrice, eles queriam dizer que, por meio da conquista colonial, a França, ou mais geralmente a Europa – poderiam impor sobre os povos não-europeus os valores e as normas que foram abrangidos por estas definições da civilização. Quando, na década de 1990, vários grupos em países ocidentais falaram do ‘direito de intervenção “em situações políticas em várias partes do mundo, mas quase sempre em partes não-ocidentais do mundo, é em nome de tais valores de civilização que eles estavam afirmando tal direito.

Este conjunto de valores, no entanto, preferimos designar – valores civilizados, valores seculares-humanistas, valores modernos – permeiam as ciências sociais, como se poderia esperar, uma vez que a ciência social é um produto do mesmo sistema histórico que elevou esses valores para o pináculo de uma hierarquia. Os cientistas sociais têm incorporado esses valores em suas definições dos problemas – os problemas sociais, os problemas intelectuais- que eles consideram valer a pena perseguir. Eles incorporaram esses valores nos conceitos que eles inventaram e com os quais analisam os problemas, e nos indicadores que utilizam para medir os conceitos. Os cientistas sociais, sem dúvida, têm insistido, em sua maior parte, que eles estavam procurando ser livres de valores, na medida em que eles alegaram que não estavam intencionalmente interpretando mal ou distorcendo os dados por causa de suas preferências sócio-políticas. Mas, para ser livre de valores, nesse sentido, não significa absolutamente que os valores, no sentido de decisões sobre a importância histórica dos fenômenos observados, estão ausentes. Este é, naturalmente, o argumento central de Heinrich Rickert sobre a especificidade lógica do que ele chama de “ciências culturais”.[2] Eles são incapazes de ignorar “valores”, no sentido de avaliar a importância social.

É certo que, os pressupostos científicos ocidentais e sociais sobre a “civilização” não eram totalmente impermeáveis ao conceito da multiplicidade de “civilizações”. Sempre que alguém colocou a questão da origem dos valores civilizados, como eles apareceram originalmente – ou como isso foi alegado – no mundo ocidental moderno, a resposta, quase inevitavelmente, era que eles eram os produtos de longa data de tendências exclusivas do passado do mundo ocidental -alternativamente descrito como a herança da Antiguidade e/ou da Idade Média cristã, a herança do mundo hebraico, ou o patrimônio combinado dos dois, o último às vezes renomeado e especificado como herança judaico-cristã.

Muitas objeções podem e têm sido feitas para esse conjunto de presunções sucessivas. Se o mundo moderno, ou o moderno mundo europeu, é civilizado a própria forma como a palavra é usada no discurso europeu tem sido contestada. Há o gracejo notável do Mahatma Gandhi, que, quando perguntado, “Mr. Gandhi, o que você acha da civilização ocidental?”, Respondeu: “Seria uma boa ideia”. Além disso, a afirmação de que os valores da Grécia e Roma antigas, ou da antiga Israel eram mais propícios ao que estabelece a base para estes assim chamados valores modernos – os que eram os valores de outras civilizações antigas também foram contestados. E, finalmente, se a Europa moderna pode plausivelmente reivindicar, quer a Grécia e Roma, por um lado, ou a antiga Israel, por outro, como seu primeiro plano civilizacional isso não é auto evidente. Na verdade, não tem sido um debate entre aqueles que viram a Grécia ou a Israel como alternativas culturais de origem. Cada um dos lados deste debate negou a plausibilidade da alternativa. Isso por si só lança dúvidas no debate sobre a plausibilidade da derivação.

De qualquer maneira, quem poderia argumentar que o Japão pode reivindicar antigas civilizações indianas como suas antecessoras, alegando que elas eram o local de origem do budismo, que se tornou uma parte central da história cultural do Japão? É os Estados Unidos contemporâneo mais próximo culturalmente da antiga Grécia, Roma, ou Israel do que o Japão o é da civilização Indiana? Pode-se, apesar de tudo, fazer o caso de que o cristianismo, longe de representar a continuidade, marcou uma ruptura decisiva com a Grécia, Roma e Israel. Na verdade os cristãos, até o Renascimento, usaram precisamente este argumento. E não é a ruptura com a Antiguidade ainda hoje parte da doutrina das igrejas cristãs?

No entanto, hoje, a esfera em que o argumento sobre valores veio à tona é a esfera política. O primeiro-ministro da Malásia Mahathir foi muito específico argumentando que os países asiáticos podem e devem se ‘modernizar’ sem aceitar alguns ou todos os valores da civilização europeia. E os seus pontos de vista foram amplamente repetidos por outros líderes políticos asiáticos. O debate sobre ‘valores’ também se tornou central dentro dos próprios países europeus, especialmente nos Estados Unidos, como um debate sobre o “multiculturalismo”. Esta versão atual do debate, de fato, teve um grande impacto sobre as ciências sociais institucionalizadas, com o desabrochar das estruturas dentro da universidade com agrupamentos de estudiosos que negam a premissa da singularidade de uma coisa chamada “civilização”.

4. Orientalismo

Orientalismo refere-se a uma declaração estilizada e abstrata das características das civilizações não-ocidentais. É o inverso do conceito, “civilização”, e tornou-se um dos principais temas em discussão pública desde os escritos de Anouar Abdel-Malek e Edward Said.[3] Não foi há muito tempo, Orientalismo foi um símbolo de honra. É um modo de conhecimento que afirma raízes na Idade Média européia, quando alguns monges intelectuais cristãos definiram a tarefa de entender melhor as religiões não cristãs, aprendendo as suas línguas e lendo cuidadosamente

seus textos religiosos. É claro, eles se basearam na premissa da verdade da fé cristã e no desejo de converter os pagãos, mas mesmo assim eles levaram estes textos a sério como expressões, inobstante pervertidas, da cultura humana.

Quando o orientalismo foi secularizado, no século XIX, a forma de atividade não era muito diferente. Os orientalistas continuaram a aprender as línguas e decifrar os textos. No processo, eles continuaram a depender de uma visão binária do mundo social. No lugar parcial da distinção pagão/cristão, eles colocaram a distinção Ocidental/Oriental, ou moderno/não moderno. Nas ciências sociais, surgiu uma longa linha de famosas polaridades: as sociedades militares e industriais, Gemeinschaft e Gesellschaft, solidariedade mecânica e orgânica, legitimação tradicional e racional-legal, estática e dinâmica. Embora essas polaridades geralmente não fossem diretamente relacionadas com a literatura sobre o orientalismo, não devemos esquecer que uma das primeiras dessas polaridades foi a do estatuto Maine e o contrato, e foi explicitamente com base na comparação entre sistemas jurídicos ingleses e o hindu.

Os orientalistas se viam como pessoas diligentes que manifestavam a sua simpática apreciação a uma civilização não-ocidental, dedicando suas vidas para estudo erudito de textos, a fim de compreender (Verstehen) a cultura. A cultura que eles entenderam desta forma foi, naturalmente, uma construção, uma construção social feita por alguém que vem de uma cultura diferente. É a validade destas construções que passou a ser atacada, em três diferentes níveis: diz-se que os conceitos não se encaixam na realidade empírica; que eles são abstratos demais e, assim, apagam a variedade empírica; e que eles são extrapolações de preconceitos europeus.

O ataque contra o orientalismo foi, porém, mais do que um ataque à pobre bolsa de estudos. Foi também uma crítica das consequências políticas de tais conceitos da ciência social. Foi dito que orientalismo servia à legitimação da posição de poder dominante da Europa, de fato desempenhou um papel primordial na carapaça ideológica do papel imperial da Europa no âmbito do sistema-mundo moderno. O ataque ao orientalismo tornou-se vinculado ao ataque geral contra a reificação, e aliado aos vários esforços no sentido de desconstruir narrativas das ciências sociais. Na verdade, tem-se argumentado com algumas tentativas não ocidentais de criação de um contra discurso ao “ocidentalismo”, por exemplo, ‘todos os discursos elitistas do anti-tradicionalismo na China moderna, com a demonstração estudantil do Movimento Quatro de Maio de 1989 em Tiananmen, em uma extensiva “orientalização” [4] que, desse modo, sustentam em vez de minar o orientalismo.

5. Progresso

Progresso – como uma realidade inevitável – era um tema básico do Iluminismo europeu. Alguns poderiam rastreá-lo através de toda filosofia ocidental.[5] Em qualquer caso, tornou-se o ponto de vista de consenso da Europa do século XIX – e de fato assim permaneceu durante a maior parte do século XX. A ciência social, como foi construída, foi profundamente marcada com a teoria do progresso. Progresso se tornou a explicação subjacente da história do mundo, e os fundamentos de quase todas as fases teóricas. Ainda mais, tornou-se o motor de toda a ciência social aplicada. Nós dissemos que ao estudar ciências sociais, a fim de melhor compreender o mundo social, poderíamos então de forma mais sensata e mais acertadamente acelerar o progresso em todos os lugares, ou pelo menos ajudar a remover os obstáculos em seu caminho. As metáforas de evolução ou de desenvolvimento não eram apenas descrições; elas também foram incentivos para prescrever. A ciência social tornou-se o conselheiro e, às vezes, talvez, a serva de decisões políticas, do panóptico de Bentham à Verein für Socialpolitik, do Relatório Beveridge e outras comissões governamentais sem fim, à série pós-guerra da Unesco sobre o racismo, com as pesquisas sucessivas de James Coleman sobre o sistema educacional dos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial, o “desenvolvimento dos países subdesenvolvidos” era uma rubrica que justificou a participação de cientistas sociais de todos os quadrantes políticos na reorganização social e política do mundo não-ocidental.

O progresso não foi meramente presumido ou analisado; ele também foi imposto. Isso talvez não seja tão diferente das atitudes que discutidos sob o título de “civilização”. O que precisa ser salientado é que, no momento em que a “civilização” começou a ser uma categoria que tinha perdido a sua inocência e atraiu suspeitas-principalmente depois de 1945-‘progress ‘como uma categoria sobreviveu e foi mais do que suficiente para substituir a de “civilização” cheirando um pouco mais bonita. A ideia de progresso parecia servir como o último reduto do eurocentrismo, a posição de retaguarda.

A ideia de progresso é claro sempre teve críticos conservadores, embora o vigor de sua resistência pode-se dizer que diminuiu drasticamente no período 1850-1950. Mas, pelo menos desde 1968, as críticas irromperam de novo, com renovado vigor entre os conservadores, e com a recém-descoberta fé da esquerda. No entanto, existem muitas maneiras diferentes de se atacar a ideia de progresso. Pode-se sugerir que o que tem sido chamado de progresso é um falso progresso, mas que existe um verdadeiro progresso, argumentando que a versão da Europa era um delírio ou uma tentativa de iludir. Ou pode-se sugerir que não pode haver tal coisa como o progresso, por causa do “pecado original” ou o ciclo eterno da humanidade. Ou pode-se sugerir que a Europa tem de fato conhecido progressos, mas que agora está tentando manter os frutos do progresso do resto do mundo, como alguns críticos não ocidentais do movimento ecológico argumentaram.

O que está claro, no entanto, é que, para muitos, a ideia de progresso tornou-se rotulada como um ideal europeu e, portanto, está sob o ataque em razão do seu eurocentrismo. Este ataque é muitas vezes, contudo, proferido de maneira bastante contraditória com os esforços de outros não-ocidentais ao progresso apropriado para parte ou de todo o mundo não-ocidental, empurrando a Europa para fora da imagem, mas sem progredir.

A reivindicação anti-eurocentrismo

As múltiplas formas de eurocentrismo e as múltiplas formas da crítica ao eurocentrismo não necessariamente compõe uma imagem coerente. Vamos tentar avaliar o debate central. As Ciências sociais institucionalizadas começaram como suas atividades na Europa, como já observamos. E tem sido acusada de pintar uma imagem falsa da realidade social através da leitura errada, grosseiramente exagerando, e / ou distorcendo o papel histórico da Europa, em especial o seu papel histórico no mundo moderno.

Os críticos fundamentalmente fazem, no entanto, três diferentes – e um pouco contraditórios- tipos de reivindicação. A primeira é que o que a Europa fez, outras civilizações também estavam em processo de fazê-lo, até o momento em que a Europa usou seu poder geopolítico para interromper o processo em outras partes do mundo. A segunda é que o que a Europa fez nada mais é do que uma continuação do que outros já estavam fazendo há muito tempo, com os europeus chegando temporariamente para o primeiro plano. O terceiro é que o que a Europa fez foi analisado incorretamente e submetido a extrapolações inadequadas, que tiveram consequências perigosas para a ciência e para o mundo político. Os dois primeiros argumentos, amplamente oferecidos, parecem-me sofrer com o que eu chamaria de “eurocentrismo anti-eurocêntrico ‘. O terceiro argumento parece-me ser, sem dúvida, correto, e merece toda a nossa atenção. Que tipo de curioso animal poderia ser o ‘anti-eurocêntrismo eurocêntrico’? Tomemos cada um desses argumentos, por sua vez.

Primeiro passado do presente

Houve pessoas ao longo do século XX que têm argumentado que, no âmbito de, digamos, chineses ou indianos, ou da “civilização” árabe-muçulmana, existia tanto os fundamentos culturais e o padrão sócio-histórico de desenvolvimento que teria levado ao surgimento do capitalismo moderno de pleno direito, ou, na verdade estavam no processo de liderar nessa direção. No caso do Japão, o argumento é muitas vezes ainda mais forte, afirmando que o capitalismo moderno se desenvolveu ali, separadamente, mas temporalmente coincidente com o seu desenvolvimento na Europa. O coração da maioria desses argumentos é uma teoria de desenvolvimento por etapas, uma variante marxista muito frequente, da qual logicamente seguiria que diferentes partes do mundo estavam todas em estradas paralelas à modernidade ou ao capitalismo. Esta forma de argumento presume tanto a especificidade e autonomia social das diversas regiões do mundo civilizacional, por um lado, e a sua subordinação comum para um padrão global, por outro.

Uma vez que quase todos os vários argumentos desse tipo são específicos para uma determinada zona cultural e seu desenvolvimento histórico, seria um exercício maciço discutir a plausibilidade histórica de cada caso, e eu não pretendo fazê-lo aqui. O que eu gostaria de salientar é uma limitação lógica para essa linha de argumentação, seja qual for a região em discussão, e uma consequência intelectual geral. A limitação lógica é muito óbvia. Mesmo se fosse verdade que várias outras partes do mundo estavam indo no caminho para a modernidade / capitalismo, talvez fosse mesmo muito ao longo desta estrada, isso ainda nos deixa com o problema da contabilidade para o fato de que foi o Ocidente, ou a Europa, que alcançou a meta em primeiro lugar, e foi, consequentemente, capaz de “conquistar o mundo”. Neste ponto, estamos de volta à questão, como originalmente colocada, porque a modernidade / capitalismo no Ocidente?

É claro que, hoje, existem alguns que estão negando que a Europa num sentido profundo conquistou o mundo com o fundamento de que houve sempre resistência, mas isso parece-me ser um alongamento nossa leitura da realidade. Havia, afinal, verdadeira conquista colonial que cobria grande parte do globo. Há, afinal, indicadores militares reais da força europeia. Sem dúvida, havia sempre múltiplas formas de resistência, tanto ativa como passiva, mas se a resistência foi verdadeiramente tão formidável, não haveria nada para nós discutirmos hoje. Se insistirmos muito nos agentes não europeus como um tema, acabamos branqueando todos os pecados da Europa, ou pelo menos a maioria deles. Isso não me parece ser o que os críticos estavam pretendendo.

Em qualquer caso, porém, temporariamente julgamos que ainda precisamos explicar a dominação da Europa. A maioria dos críticos que exercem esta linha de argumentação são mais interessados em explicar como a Europa interrompeu um processo indígena em sua parte do mundo do que em explicar como é que a Europa foi capaz de fazer isso. Indo ainda mais ao ponto, tentando diminuir o crédito da Europa por este feito, esta “conquista” presumida, reforça a versão de que foi uma conquista. A teoria torna a Europa um “herói mal”, sem dúvida que mal, mas também, sem dúvida, um herói no sentido dramático do termo, pois era a Europa que fez o impulso final na corrida e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar. E pior ainda, há a implicação, não muito longe abaixo da superfície, que, chineses ou indianos, ou árabes tiveram metade da chance, que não só poderiam, mas teriam feito o mesmo, isto é, lançar a modernidade/capitalismo, conquistar o mundo, explorar os recursos e pessoas, e eles mesmos terem o papel de herói mal

Este ponto de vista da história moderna parece ser muito eurocêntrico no seu antieurocentrismo, porque aceita o significado, isto é, o do valor da “conquista” europeia, precisamente nos termos em que a Europa o definiu, e se limita a afirmar que os outros poderiam ter feito isso também, ou iriam fazê-lo também. Por alguma razão, possivelmente, acidental, a Europa tem uma vantagem temporária sobre os outros e interferiu à força no seu desenvolvimento. A afirmação de que nós, os outros, poderíamos ter sido os europeus também parece-me uma forma muito fraca de se opor ao eurocentrismo, e, na verdade, reforça as piores consequências do pensamento eurocêntrico para o conhecimento social.

Capitalismo eterno

A segunda linha de oposição ao eurocentrismo a ser analisada é a que nega que haja algo de realmente novo no que a Europa fez. Essa linha de argumentação começa por salientar que, a partir do final da Idade Média, e de fato por um longo tempo antes disso, a Europa Ocidental era uma marginal, periférica, área do continente euroasiático, cujo papel e realizações culturais históricas estavam abaixo do nível de várias outras partes do mundo-, como o mundo árabe ou China. Isto é indubitavelmente verdade, pelo menos como uma generalização de primeiro nível. Um salto rápido é então feito para situar a Europa moderna na construção de um mundo ecumênico ou uma estrutura mundial criada em vários milhares anos[6]. Isso não é plausível, mas o significado sistêmico deste ecumenismo ainda não foi estabelecido, em minha visão. Em seguida, vem o terceiro elemento da sequência. Diz-se a seguir a partir da marginalidade prévia da Europa Ocidental e da construção de um mundo milenar Euroasiático ecumênico, que o que aconteceu na Europa Ocidental não foi nada especial e simplesmente mais uma variante na construção histórica de um sistema singular.

Este último argumento parece-me conceitualmente e historicamente muito errado. Não tenho a intenção, no entanto, de voltar a este argumento.[7] Desejo apenas sublinhar que esta é uma outra forma de antieurocentrismo eurocêntrico. Logicamente, ele requer o argumento que o capitalismo não é nada novo, e de fato alguns daqueles que defendem a continuidade do desenvolvimento do ecumenismo Euroasiático explicitamente tomado esta posição. Ao contrário da posição daqueles que estão argumentando que qualquer outra civilização, também estava em rota para o capitalismo, quando a Europa interferiu com este processo, o argumento aqui é que estávamos todos nós fazendo isso juntos, e que não houve um verdadeiro desenvolvimento para o capitalismo moderno, porque o mundo inteiro, ou pelo menos toda a Eurásia ecumênica tinha sido capitalista em algum sentido por vários milhares de anos.

Permitam-me recordar, antes de tudo, que esta é a posição clássica dos economistas liberais. Isto não é realmente diferente de Adam Smith argumentando que existe uma “propensão [na natureza humana] para trocar, negociar e trocar uma coisa com alguém”. [8] Ele elimina diferenças essenciais entre diferentes sistemas históricos. Se os chineses, os egípcios e os europeus ocidentais foram todos fazendo a mesma coisa, historicamente, em que sentido eles são diferentes civilizações, ou diferentes sistemas históricos? [9]Ao eliminar o crédito da Europa, não existe nenhum crédito deixado a ninguém exceto à pan-humanidade?

Mas, novamente, o pior de tudo, apropriando-se do que a Europa moderna fez para o balanço do ecumenismo euroasiático, estamos aceitando o argumento ideológico essencial do eurocentrismo, de que a modernidade, ou o capitalismo – é milagroso, e maravilhoso, e apenas acrescentando o que todos vêm fazendo de uma forma ou de outra. Ao negar o crédito europeu, negamos a culpa Europeia. O que é tão terrível na “conquista do mundo” da Europa, se isso não é nada, mas a última parte da marcha contínua do ecumenismo? Longe de ser uma forma de argumento que é crítico da Europa, implica aplausos para a Europa que, tendo sido uma parte “marginal” do ecumenismo, finalmente aprendeu a sabedoria dos outros, os anciãos e a aplicou com sucesso. E o argumento tácito decisivo segue inevitavelmente. Se o ecumenismo Euroasiático se deu na sequência de um único segmento há milhares de anos, e o sistema-mundo capitalista não é nada novo, então qual o possível argumento que poderia indicar que esta discussão não vai continuar para sempre, ou pelo menos por um tempo indefinidamente longo? Se o capitalismo não começou no XVI ou no século XVIII, não está certamente prestes a terminar no vigésimo primeiro. Pessoalmente, eu simplesmente não acredito nisso, e eu discuti o caso em vários escritos recentes.[10]Meu ponto principal, no entanto, é que essa linha de argumentação não é uma forma anti-eurocêntrica, uma vez que aceita o conjunto básico de valores que tenham sido alegados pela Europa em seu período de domínio do mundo, e, assim, de fato nega e/ou enfraquece os sistemas de valores concorrentes que eram, ou são, homenageados em outras partes do mundo.

A análise do desenvolvimento europeu

Eu acho que nós temos que encontrar bases mais sólidas para ser contra o eurocentrismo nas ciências sociais, e formas mais sólidas de prossecução deste objetivo. Para a terceira forma de crítica-que tudo o que a Europa fez foi analisado incorretamente e submetido a extrapolações inadequadas, e que teve e têm consequências perigosas tanto para a ciência como para política mundial é realmente verdade. Eu acho que nós temos que começar por questionar o pressuposto de que o que a Europa fez foi uma conquista positiva. Eu acho que nós temos que nos empenhar em fazer um balanço cuidadoso do que tem sido realizado pela civilização capitalista durante a sua vida histórica, e avaliar se as vantagens são de fato maiores que as desvantagens. Isso é algo que eu tentei uma vez, e eu incentivo os outros a fazer o mesmo.[11] Meu próprio balanço é negativo em geral, e, portanto, eu não considero que no sistema capitalista tenha havido provas do progresso humano. Em vez disso, eu considero ter sido a consequência de uma avaria nas barreiras históricas contra esta versão particular de um sistema de exploração. Considero que o fato de que a China, a Índia, o mundo árabe e de outras regiões não ir para a frente para o capitalismo é uma evidência de que eles eram para o seu crédito – melhor histórico imunizadas contra a toxina. Para ligar o seu crédito a algo que eles devem explicar para mim é a forma por excelência do eurocentrismo.

Deixe-me ser claro. Acredito que, em todos os principais sistemas históricos – civilizacionais – sempre houve um certo grau de mercantilização e, consequentemente, de comercialização. Como consequência, sempre houve pessoas que buscavam lucros no mercado. Mas há um mundo de diferença entre um sistema histórico em que existem alguns empresários ou comerciantes e ou “capitalistas”, e aquele em que o ethos da prática capitalista é dominante. Antes do sistema-mundo moderno, o que aconteceu em cada um desses outros sistemas históricos é que sempre estratos capitalistas ficaram muito ricos ou muito bem sucedidos ou demasiadamente intrusivos nas instituições existentes, atacou outros grupos culturais institucionais, religiosos, militares, políticos, utilizando tanto o seu poder substancial e seus sistemas de valores para afirmar a necessidade de coibir e conter os estratos com fins lucrativos. Como resultado, esses estratos foram frustrados em suas tentativas de impor as suas práticas no sistema social como uma prioridade. Muitas vezes eram grotescamente despojados do capital acumulado, o que, em qualquer caso, era feito para dar obediência a valores e práticas que lhes inibiam. Isto é o que eu quero dizer com as antitoxinas que continham o vírus.

O que aconteceu no mundo ocidental é que, por um conjunto específico de motivos que eram momentâneos – ou conjunturais, ou acidentais – as antitoxinas eram menos disponíveis ou menos eficazes, e que o vírus se espalhou rapidamente, e, em seguida, mostrou-se invulnerável às tentativas posteriores a reverter seus efeitos. A economia mundial europeia do século XVI tornou-se irremediavelmente capitalista. E uma vez que o capitalismo se consolidou neste sistema histórico, uma vez que este sistema foi governado pela prioridade da acumulação incessante de capital, adquiriu uma espécie de força contra outros sistemas históricos que lhe permitiram expandir geograficamente até ter absorvido fisicamente todo o globo, o primeiro sistema histórico a conseguir este tipo de expansão total. O fato de que o capitalismo tinha esse tipo de avanço no cenário europeu, e depois ter se expandido para cobrir o mundo, não significa, contudo, que isso era inevitável, ou desejável, ou em qualquer sentido progressivo. Em minha opinião, não era nada disso. E um ponto de vista anti-eurocêntrico deve começar por afirmar isso.

Eu preferiria, por conseguinte, reconsiderar o que não é universalista nas doutrinas universalistas que surgiram a partir do sistema histórico que é capitalista, o nosso moderno sistema-mundo. O moderno sistema-mundo desenvolveu estruturas de conhecimento que são significativamente diferentes das estruturas anteriores do conhecimento. Costuma-se dizer que o que é diferente é o desenvolvimento do pensamento científico. Mas parece claro que isso não é verdade, no entanto, são esplêndidos os avanços científicos modernos. O longo pensamento científico antecede o mundo moderno, e está presente em todas as principais zonas civilizacionais. Este foi magistralmente demonstrado pela China no corpus de trabalho que lançado por Joseph Needham.[12].

O que é específico nas estruturas de conhecimento do moderno sistema mundial é o conceito das “duas culturas”. Nenhum outro sistema histórico instituiu o divórcio fundamental entre a ciência, por um lado, da filosofia e das ciências humanas, por outro lado, ou o que eu acho que seria melhor caracterizada como a separação da busca da verdade, da busca do bem e do belo. Na verdade, não foi tão fácil para consagrar este divórcio dentro da geocultura do sistema-mundo moderno. Levou três séculos antes da divisão se institucionalizar. Hoje, no entanto, é fundamental para a geocultura, e constitui a base dos nossos sistemas universitários.

Esta divisão conceitual permitiu ao mundo moderno apresentar o conceito bizarro do especialista neutro, sem valorações, cujas apreciações da realidade objetiva poderiam formar a base não apenas das decisões de engenharia – no sentido mais amplo do termo – mas também de escolhas sócio-políticas. Blindaram os cientistas da avaliação coletiva, fundindo-os à tecnocracia, libertaram os cientistas da mão morta da autoridade intelectualmente irrelevante. Mas ao mesmo tempo, retiraram as principais decisões sociais substantivas que temos tomado nos últimos 500 anos – em oposição ao debate técnico-científico. A ideia de que a ciência das decisões sócio-políticas está mais subjacente é o conceito central que sustenta o eurocentrismo, uma vez que as únicas proposições universalistas que foram aceitáveis ​​são aquelas que são eurocêntricas. Qualquer argumento que reforça esta separação das duas culturas sustenta, assim, o eurocentrismo. Se alguém nega a especificidade do mundo moderno, não tem nenhuma maneira plausível de argumentar para a reconstrução de estruturas de conhecimento e, portanto, nenhuma maneira plausível de se chegar a alternativas inteligentes e substantivamente racionais para o sistema-mundo existente.

Nos últimos vinte anos ou mais, a legitimidade deste divórcio tem sido desafiada pela primeira vez de uma forma significativa. Este é o significado do movimento ecológico, por exemplo. E esta é a questão central subjacente ao ataque público ao eurocentrismo. Os desafios também resultaram nas chamadas “guerra à ciência” e “guerra à cultura” que tenham sido muitas vezes obscurantistas e ofuscantes. Se estamos emergindo uma nova estrutura do conhecimento, não-eurocêntrica, é absolutamente essencial que nós não sejamos desviados para vias laterais que evitam esse problema central. Se queremos construir um sistema-mundo alternativo ao que está hoje em crise grave, temos de tratar simultaneamente e inextricavelmente as questões da verdade e do bem.

E se estamos vendo que temos de reconhecer que algo especial foi realmente feito pela Europa nos séculos XVI e XVIII, e que transformaram o mundo, mas em um sentido negativo, cujas consequências estão sobre nós hoje. Temos de parar de tentar privar a Europa de sua especificidade na premissa ilusória de que estamos privando-os, assim, de um crédito ilegítimo. Pelo contrário. Temos de reconhecer plenamente a particularidade da reconstrução do mundo da Europa porque só assim será possível transcendê-lo, para chegar esperançosa uma visão mais inclusiva universalista das possibilidades humanas, uma que não que evite nenhum dos problemas difíceis e imbricados da prossecução da verdade e do bem comum.

Notas:

[1] Cited in Anouar Abdel-Malek, La Dialectique sociale, Paris 1972; translated as Social Dialectics, Vol. I, Civilisations and Social Theory, London 1981. [2] Heinrich Rickert, Die Grenzen der naturwissenschaftlichen Begriffsbildung, Tubingen 1913; translated as The Limits of Concept Formation in the Physical Sciences, Cambridge 1986.

[3]Abdel-Malek La dialectique sociale; Edward Said, Orientalism, New York 1978. 6 See Wilfred Cantwell Smith, ‘The Place of Oriental Studies in a University’, Diogenes, no. 16, 1956, pp. 106–11.

[4] Xiaomei Chen, ‘Occidentalism as Counterdiscourse: “HeShang” in Post-Mao China’, Critical Inquiry, vol. 18, no. 4, Summer 1992, p. 687. . [5] J. B. Bury, The Idea of Progress, London 1920; Robert A. Nisbet, History of the Idea of Progress, New York 1980 [6] See various authors in Stephen K. Sanderson, ed., Civilizations and World Systems: Studying World-Historical Change, Walnut Creek, CA 1995. 10 Immanuel Wallerstein, ‘The West, Capitalism, and the Modern World-System’, Review, vol. xv, no. 4, Fall 1992, pp. 561–619.[7] Immanuel Wallerstein, ‘The West, Capitalism, and the Modern World-System’, Review, vol. xv, no. 4, Fall 1992, pp. 561–619. [8] Adam Smith, The Wealth of Nations [1776], New York 1939, p. 13 [9] For an opposing view, see Samir Amin, ‘The Ancient World-Systems Versus the Modern Capitalist World-System’, Review, vol. xiv, no. 3, Summer 1991, pp. 349–85. [10] Immanuel Wallerstein, After Liberalism, New York 1995; Terence K. Hopkins and Immanuel Wallerstein, coord., The Age of Transition: Trajectory of the World-System, 1945– 2025, London 1996. [11] See Immanuel Wallerstein, ‘Capitalist Civilization’, Wei Lun Lecture Series ii, Chinese University Bulletin, no. 23; reproduced in Historical Capitalism, with Capitalist Civilization, Verso, London 1995. [12] Joseph Needham, Science and Civilisation in China, Cambridge 1954 onwards.

Discurso proferido na ISA no Colóquio Regional do Leste Asiático “O Futuro da Sociologia na Ásia Oriental”, 22-23 novembro de 1996, Seul, Coréia, co-patrocinado pela Associação Coreana de Sociologia e Associação Internacional de Sociologia.

9 de novembro de 1997

A Bolsa e a vida

Lições contemporâneas

Maria da Conceição Tavares


Em um celebrado trabalho, cujo título tomei de empréstimo para este artigo, o historiador francês Le Goff conta como, no século 12, alguns teólogos da Igreja solucionaram o conflito entre suas posições doutrinárias de condenação à usura e a realidade objetiva gerada pela crescente importância do capital usuário na economia da época, em função da significativa expansão das relações mercantis. A saída encontrada foi a criação de uma instância intermediária entre o inferno -ao qual, até então, estavam inexoravelmente condenados os usuários- e o paraíso, ao qual não tinham a mais remota possibilidade de aceder. Esta instância, o purgatório, à qual passaram a ser destinados os usuários, tinha, porém, uma particularidade: dela, purgadas as penas, somente se sai para o paraíso. Com isso a Igreja preservou formalmente seu princípio condenatório e os usuários, além da bolsa -os juros- ficaram também com o benefício da 'vida eterna'.

Esta recordação me veio à mente ao refletir sobre a natureza da atual crise financeira internacional e seus desdobramentos no caso da economia brasileira.

O ambiente favorável às manobras especulativas verificadas nas bolsas e nos mercados cambiais tem como determinante imediato a escandalosa liberalidade com que os operadores do mercado e o governo atuam na esfera financeira; como causa permanente a fragilidade de nossas contas externas e a sobrevalorização cambial (de estrita responsabilidade do governo); e como determinante, em última instância, a desregulamentação crescente os mercados financeiros globais. A ausência de normas e controles dos fluxos de entrada e saída de capitais do exterior, que possibilitariam uma elementar seletividade e permanência do investimento estrangeiro, é agravada pela omissão das autoridades monetárias em aspectos chaves do funcionamento do sistema financeiro. Isto ficou evidenciado pelo próprio desdobramento da atual crise, quando o Banco Central teve que antecipar o resgate de títulos com vencimentos em 1998 para 'injetar liquidez' em instituições que, por terem feito alavancagens acima de qualquer limite aceitável, não tinham condições de honrar compromissos assumidos 48 horas antes. Só depois desta operação de resgate de algumas instituições, cujas posições o Bacen tinha a obrigação de conhecer e controlar, é que foi dado o tranco, a meu juízo excessivo, nos juros (no final da quinta-feira, dia 30/10). Esta atitude recorrente do Banco Central não permitindo a quebra de qualquer banco de relativa importância favorece todo tipo de práticas especulativas. O custo dos ajustes periodicamente necessários para "salvar" o sistema bancário privado é, sistematicamente, bancado pelo Tesouro e pelos Bancos Públicos, convocados desta vez junto com os fundos de pensão das Estatais para segurar as bolsas e o mercado de câmbio.

O festival de despropósitos e arrogância verbal no manejo da crise foi fartamente noticiado pela imprensa e dispensa comentários. O choque violento da taxa de juros, assinalado como demonstração, ainda que tardia, da 'competência' da equipe econômica, te óbvias implicações recessivas com impactos dramáticos sobre o desemprego e as dívidas da classe média e de consumo dos mais pobres que usam o crediário. Sobre o orçamento federal consolidado do Tesouro e Autoridades Monetárias, o choque de juros representa um brutal custo financeiro, tanto para operar a recomposição das reservas internacionais quanto, sobretudo, para a rolagem da dívida pública interna. Esta já tendo alcançado em setembro, só em títulos federais, mais de R$ 200 bilhões, vai custar neste mês a modesta quantia de R$ 8 bilhões em juros.

Os 'ciclistas' do mercado deveriam pagar pelo menos parte do preço da especulação. Sempre seria mais apropriado do que atribuir ao Congresso ou à Oposição (!) a falta de 'cooperação' com a política econômica. "Culpem os ciclistas" como disse Élio Gaspari, embora, em minha opinião, os que pilotam a corrida e deveriam controlar legalmente as posições das instituições financeiras não possam ser absolvidos. Uma coisa é ser um 'operador' audacioso contra ou a favor do mercado outra coisa é ser autoridade monetária. Compare-se à atitude ponderada do presidente do FED com os destemperos do nosso 'agressivo' mago do Real. Compare-se também o custo privado da IBM, de Bill Gates e outros mega investidores na especulação da bolsa de Nova York e os custos de nossos afoitos especuladores locais. Culpe-se e puna-se os 'ciclistas' e invoque-se o espectro da globalização financeira, mas não se atribua às 'reformas' em curso no Congresso (aliás adiadas pelo governo e sua base de sustentação) a virtude de reduzir a dependência do país dos capitais voláteis.

Informe-se o público corretamente sobre os custos das 'operações' públicas e privadas que contornaram, temporariamente, a crise cambial e financeira: Quanto custou a recompra de R$ 4,5 bilhões de títulos nos três dias da crise para salvar os especuladores excessivamente alavancados? Quanto vai custar a recompra dos 9 bilhões de reservas perdidas pelo Bacen com um cupom cambial que chegou a 45% ao ano? Quanto custou à Eletrobrás e à Telebrás a desvalorização de suas ações? Quanto custou ao BNDES os financiamentos das privatizações deste ano com seus ágios fabulosos, inclusive o da CPFL realizado na contramão do 'valor de mercado' das ações? Quanto vai custar, em termos de redução dos gastos essenciais do setor público, um novo corte orçamentário previsto para 'negociações' com os partidos da base de apoio do governo?

Se, como noticiou a imprensa, a maioria das reservas perdidas pelo Bacen acabou não saindo do país e encontra-se retida nas carteiras das instituições financeiras privadas brasileiras (que operam livremente nos mercados de câmbio), é evidente que o 'ataque especulativo' não foi 'externo' e está esperando a última maldade do saco sem fundo do presidente das 'autoridades monetárias' para promover mais turbulências. Convêm lembrar que a mais importante forma de controle de entrada e saída de recursos externos foi a que adotou o Chile (a quarentena do capital estrangeiro), que além disso tem a sorte de não ter mais nenhuma privatização importante a fazer, razão pela qual o 'El niño financeiro', apesar de gerado no Pacífico, não atingiu o país irmão. O nosso grande país do Atlântico não quis implementar essa medida sugerida pela Oposição em março em 1995, por isso sofre de 'ataques especulativos' periódicos, agravados ou adiados pelas oportunidades de 'grandes negócios', como a venda das 'Minas do Rei Salomão' de que tanto se orgulha o Ministro das Telecomunicações.

O clima de turbulência instalou-se para ficar, até ocorrer a última das privatizações altamente rentáveis a favor dos monopólios privados (nacionais ou estrangeiros). Aí sim, se não tivermos mudado a política cambial e financeira, veremos o que é um ataque especulativo contra a nossa moeda e o que é uma crise cambial.

Como no século 17, os nossos 'modernos'usuários mais uma vez ficam com a bolsa e, à custa da sociedade, alongam sua vida, com a vantagem de sequer precisarem passar pelo purgatório. Este se reserva aos trabalhadores, a quem correspondem os sacrifícios e as incertezas de um futuro obscuro, dominado pelo desemprego, a supressão de direitos sociais, a precarização dos serviços básicos e a degradação salarial.

30 de março de 1997

Globalitarismo e neobobismo

Lições contemporâneas

Maria da Conceição Tavares

Folha de S.Paulo

Globalitarismo é um neologismo introduzido por Ignacio Ramonet, que pode ser lido do ponto de vista político como a síntese entre a globalização e o totalitarismo (ver a respeito o importante artigo de Tarso Genro, Folha, 25/3/97).

Outra leitura possível, do ponto de vista da cultura e da ideologia, seria a fusão entre global e utilitarismo, uma velha doutrina dos liberais clássicos (o liberismo), agora retraduzida com roupas novas pelo ``neoliberalismo''.

Esta última expressão incomoda profundamente o sociólogo e social-democrata tardio FHC, que acaba de inventar um novo neologismo -o "neobobismo" - para quem ousa o taxar de neoliberal.

Sua Excia. adota um procedimento de grande eficácia mercadológica e muito caro à "ordem" globalitária: a desmoralização da dissidência. Assim vem xingando a esquerda de burra, fracassomaníaca, e agora de boba. Com o que muito tememos que logo a proclame "incapaz", do ponto de vista da cidadania política, e a inclua num novo estatuto indígena.

Nada como um novíssimo neoliberal "reformista" para ganhar de um velho liberal conservador como Roberto Campos. Este, pelo menos limita-se hoje a chamar de dinossauros as empresas estatais rentáveis, com o que pode sempre invocar a modernidade para justificar os bons negócios que o nosso "príncipe dos sociólogos" patrocina em suas viagens globalitárias. Na última delas, feita em Johannesburgo em outubro passado, fechou-se o negócio da Vale. As "operações" de privatização da grande estatal estão se revelando uma novela de luxo, infelizmente ofuscada pelo novelão do lixo dos precatórios.

Os nossos "novos estadistas" vão pelo mundo vendendo a preço de banana as grandes estatais de porte internacional. Digo a preço de banana e não dólares, porque além de vermos poucos dólares, o "neobobismo" de direita -exponenciado pelo agressivo condutor da política cambial- considera o mercado de bananas idêntico ao de dólares. Pelo andar da carruagem muito temo que as dignas autoridades estejam conduzindo o país a uma situação de "Banana Republic".

Ora, dirão os partidários do realismo cínico, mas o mundo mudou e os chefes de estado americanos e europeus também são caixeiros-viajantes -outra característica do capitalismo globalitário. Sem dúvida, mas quando nos visitam, vêm tentar vender os produtos da indústria deles ou comprar barato as nossas empresas rentáveis e não ao contrário.

Embora alguns corram o risco de se desmoralizar -como o ex-presidente Bush tentando vender carros velhos ao Japão e vomitando no jantar do primeiro-ministro- não é conhecido nenhum caso de presidente ou primeiro-ministro civilizado que tenha atacado, dentro e fora do país, os seus concidadãos, o Congresso e o Judiciário, nem tripudiado sobre a oposição política ao seu governo.

Sua Exa., o presidente-candidato, do alto de sua vaidade e arrogância, está correndo o risco de perder a memória, não do que escreveu no passado -já que está levando a sua "Teoria da Dependência" às últimas consequências- mas do seu passado democrático. Neste acreditaram não apenas os milhões que nele votaram, mas também milhões dos que votaram em seu opositor.

FHC está convertendo os seus adversários políticos em inimigos, tratando-os como lixo, e o seu triunfo político em visão delirante de onipotência. Recomenda-se a releitura de alguns velhos e bons historiadores e quem sabe "O Príncipe", de Machiavel, cujos ordenamentos sobre o fazer o mal todo de uma vez e o bem devagarinho o nosso príncipe está visivelmente invertendo. Perder a memória e a compostura nunca é bom, sobretudo para um chefe de Estado que deveria tentar manter as aparências de "politicamente correto", depois de ter passado o rolo compressor sobre o Congresso para garantir suas pretensões à reeleição.

É indiscutível que a designação neoliberal aplica-se como uma luva às políticas sociais "focalizadas" em contraposição às políticas universais de origem social-democrata. Esse tipo de "política compensatória" é sempre complementado pelas reformas executadas de acordo com o decálogo do Consenso de Washington. Já a política econômica concreta do governo não merece sequer o nome de neoliberal, visto como maneja grosseiramente as tarifas de importação, o crédito público e as isenções fiscais a favor de empresas e bancos apadrinhados. Os exemplos recentes da indústria automobilística, da moratória dos grandes agricultores, do escândalo do financiamento aos grandes bancos que acaba de culminar com o Bamerindus são casos de "neofisiologismo" em estado puro.

A política de "bandas" cambiais, andando de banda, ou os financiamentos do tipo "bicicleta" só podem enganar e tranquilizar os desavisados convertidos ao "neobobismo" de direita. A propósito, convém lembrar que o "príncipe" do câmbio só tem se mantido no poder graças à complacência do primeiro mandatário e à conivência do mercado. A política cambial tem custado ao país um endividamento crescente em dólares, pela emissão de títulos públicos, mas a mágica está para terminar. Até um neoliberal pós-moderno como César Maia se dá conta disso, em recente artigo no "Jornal do Brasil", antecipando a sua mudança de postura como candidato a governador.

Assim, o presidente não precisa mais preocupar-se, porque não é à sua pessoa, nem ao seu governo, que se aplica a designação de neoliberal; é apenas à doutrina que os seus economistas e os seus escribas pretendem ainda impingir à opinião pública desinformada.

Dez entre dez economistas (informados) sabem que a política cambial é um fracasso e que o risco cambial nos espreita. Dez entre dez políticos sabem que a maioria situacionista ultrajante terminará por sofrer um congestionamento por falta de postos ministeriáveis ou de verbas.

Finalmente não demorará muito para que a maioria da opinião pública, apesar da manipulação, se aperceba da verdadeira natureza deste governo, que até para inaugurar uma experiência "focalizada" de assistencialismo necessita utilizar o escárnio e o menosprezo para desmoralizar os que se lhe opõem.

O presidente FHC não corre o risco de se tornar um déspota esclarecido, como vários comentaristas sublinharam, em seguida à entrevista do filósofo Gianotti, que, do alto da sua sapiência "uspiana", vem tentando defender e dar conselhos ao príncipe. Corre, sim, o risco de tornar-se simplesmente um déspota, haja vista a recente medida provisória de nº 1.570, na qual busca-se usurpar as prerrogativas constitucionais do Judiciário.

Junte-se a todos os atropelos às instituições democráticas o abuso da falsa função pedagógica do presidente. A "pedagogia pela pedrada" exercida sistematicamente sobre a oposição e a propaganda manipuladora sobre os oprimidos estão produzindo costumes públicos e políticos dos quais não há experiência no pós-guerra, mesmo sob o jugo dos governos militares. O assassinato de caráter perpetrado em massa pelo atual chefe de Estado tem reflexos muito graves sobre a intelectualidade, a mídia e as práticas sociais e culturais do país. Os seus efeitos vão além do malfadado episódio Collor, convertendo rapidamente as aspirações de nos tornarmos uma nação democrática num simulacro globalitário, delirante e deprimente de manipulação de massa. Em outros tempos essas práticas eram simplesmente denominadas fascismo. Hoje, que os tempos mudaram e a polícia política não voltou a bater às nossas portas, podemos talvez traduzir o nosso globalitarismo periférico pela expressão que Samuelson usou em 1980: fascismo de mercado!

Maria da Conceição Tavares, 66, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e deputada federal (PT-RJ).

1 de fevereiro de 1997

Da teoria econômica do socialismo

Fikret Adaman e Pat Devine



Tradução / As revoluções políticas de 1989-91 na Europa Central e Oriental e na antiga União Soviética criaram uma nova conjuntura histórica na qual o próprio futuro do projeto socialista foi questionado.1 Socialistas de todos os tipos foram afetados por uma profunda perda de confiança e rebaixamento de expectativas, incluindo aqueles que por muito tempo rejeitaram até mesmo o termo "socialismo realmente existente" como uma descrição aceitável da experiência soviética e da Europa Oriental. A razão subjacente para essa perda de confiança é que a conjuntura histórica coincide com uma profunda crise da teoria socialista, acima de tudo da teoria de uma economia socialista. 

O modelo marxista clássico de economia socialista pode ser caracterizado por meio de uma dicotomia; o capitalismo é separado socialismo segundo duas dimensões: propriedade e mecanismo de coordenação. Sob o socialismo, a propriedade privada capitalista dos meios de produção é substituída pela propriedade social; o funcionamento das forças de mercado é substituído pelo planejamento econômico socialista. A propriedade social permite que a exploração seja abolida; o planejamento econômico socialista permite que a anarquia da produção seja substituída pelo controle social consciente da economia. 

As duas dimensões estão ligadas entre si: as forças de mercado operam por meio da interação de numerosas decisões independentes quanto ao uso de parcelas discretas dos recursos produtivos da sociedade, que são de fato propriedade privada qualquer que seja a sua condição jurídica; o planejamento econômico envolve um único conjunto coordenado de decisões sobre o uso dos recursos produtivos da sociedade como um todo; ora, isto impede necessariamente que exista a propriedade privada e que a tomada de decisão seja fragmentada.2 

O modelo marxista clássico, entendido como planejamento centralizado de todas as decisões de produção, foi desacreditado pela experiência soviética. Ao mesmo tempo, o ressurgimento nos anos 1980 do debate sobre o cálculo econômico socialista, que se iniciara nas décadas de 1920 e 1930, forneceu subsídios teóricos para a tese de que o planejamento central, de fato qualquer planejamento econômico da sociedade como um todo, é necessariamente ineficiente e estritamente impossível. 

Assim, qualquer modelo econômico socialista atual deve levar em conta a experiência soviética e, ainda de modo mais importante, deve abordar as questões teóricas que foram identificadas no debate retomado do cálculo socialista. 3 Essas questões teóricas referentes à eficiência e/ou possibilidade do socialismo entram agora na pauta das preocupações mais gerais devido à ascensão da direita neoliberal, que postula a inconveniência de qualquer forma de ação coletiva e celebra a superioridade da “ordem espontânea” em relação à ação social consciente.4 

O debate sobre o cálculo econômico socialista 

O debate sobre a possibilidade de cálculo econômico racional em um sistema econômico socialista, definido como aquele no qual os meios de produção são de propriedade pública, foi efetivamente iniciado por Barone em 1908; ganhou força depois na literatura econômica alemã durante a década de 1920, mas foi continuado na literatura inglesa durante a década de 1930; depois disso, desapareceu na década de 1940, após o artigo de Bergson em 1948.5 Os dois lados principais do debate eram os economistas da escola austríaca, que negavam a possibilidade do cálculo racional sob o socialismo, e os economistas socialistas que pensavam dentro do paradigma neoclássico, mas que defendiam que tal cálculo era possível.

Subjacente ao debate não se encontravam apenas diferentes visões sobre qual sistema, capitalismo ou socialismo, seria desejável, mas também diferentes abordagens epistemológicas e metodológicas. Essas diferenças de abordagem ficaram, no entanto, amplamente implícitas na época; argumentou-se, ademais, que a corrente austríaca enquanto tal apenas se cristalizou como resultado do próprio debate e da reflexão subsequente sobre ele.6

No paradigma neoclássico, o conhecimento é conceituado como objetivo; as possibilidades de produção, os custos e as receitas são tomados como restrições objetivamente conhecidas, ou seja, como dadas para os agentes econômicos que tomam decisões maximizadoras. Na escola austríaca, pelo contrário, o conhecimento é conceituado como subjetivo. Em vez de ser acolhido como dado para o propósito da tomada de decisões, ele, enquanto conhecimento subjetivo – ou "tácito" –, deve ser descoberto por meio da ação, por meio da atividade empreendedora e competitiva no próprio mercado.

A ênfase na centralidade do processo de "descoberta" é a marca registrada da moderna escola austríaca e a base de sua posição reformulada no debate sobre a possibilidade de cálculo racional sob o socialismo, retomado nos anos 80. É o fundamento da alegação dos austríacos modernos quanto à impossibilidade de um sistema econômico socialista racional, que este, portanto, possa ser efetivado não apenas na história, mas, mais significativamente, até mesmo de modo teórico.

No debate, o papel do mercado como meio social que torna possível o cálculo econômico racional foi discutido sob três títulos: possibilidade do cálculo, motivação e descoberta. Em 1920, Mises argumentara que o cálculo econômico só é possível em um sistema de livre mercado, baseado na propriedade privada. Eis que é aí que se forma o valor de troca de todos os bens e serviços e se fornece aos agentes econômicos as informações necessárias – na forma de preços – para as suas decisões. 7

Descobriu-se, no entanto, que Barone já havia refutado o argumento de Mises ao demonstrar que uma economia socialista poderia alcançar o mesmo nível de eficiência de sua contraparte capitalista, desde que fosse possível resolver um conjunto de equações simultâneas, baseadas em funções de produção e utilidade, as quais descreveriam supostamente o comportamento interdependente dos agentes econômicos no sistema.8 A contribuição de Hayek, em 1935, em resposta a essa tese tem sido historicamente interpretada como um contra-argumento matemático. Embora a solução analítica de Barone seja concebível em teoria, seria impossível na prática, dada a quantidade de informação que teriam que ser coletadas centralmente e a escala do cálculo necessário para resolver o sistema de equações simultâneas.9 Lange respondeu ao argumento de Hayek produzindo um modelo seminal de socialismo de mercado, baseando-se em modelos descentralizados anteriormente conhecidos. 10

Nesse modelo, o departamento de planejamento central anuncia um conjunto inicial de preços para os bens de produção; os gerentes das empresas estatais tomam esses preços como dados (ou seja, como parâmetros) e seguem a regra de que devem procurar minimizar os custos, definindo o preço como igual ao custo marginal; as empresas contratam mão-de-obra fornecida pelos trabalhadores que buscam maximizar a sua utilidade, vendem mercadorias aos consumidores e estes as compram de acordo com suas demandas, maximizando também utilidade; as empresas compram e vendem bens de produção umas para as outras.

Com base nas informações fornecidas pelas firmas sobre os aumentos ou reduções nos estoques, os quais refletem excesso de oferta ou de demanda de bens de produção, o departamento de planejamento anuncia um novo conjunto de preços para esses bens; esse processo continua por meio de uma série de iterações até que a oferta e a demanda por todos os bens seja equalizada.11

O modelo de Lange incorpora mercados reais para bens de consumo e para a força de trabalho, assim como “falsos mercados de capitais” para bens de produção. Uma vez que o Estado possui os meios de produção, não há renda não auferida e os "lucros" são distribuídos pelo Estado de acordo com critérios democraticamente determinados. O modelo combina a eficiência alocativa do capitalismo idealizado pela teoria neoclássica, o qual é perfeitamente competitivo, mas dá origem a uma distribuição de renda socialista.

Embora a maior parte da discussão nas décadas de 1920 e 1930 tenha sido sobre o problema do cálculo socialista, alguma discussão sobre motivação também ocorreu. Hayek respondeu ao modelo de Lange enfatizando a relação entre propriedade, incentivos e eficiência econômica.12 Entretanto, os seus argumentos não produziram o impacto esperado por ele. No início dos anos 1940, a "avaliação padrão" do debate era que a escola socialista neoclássica tivera sucesso em refutar o desafio austríaco, de tal modo que parecia àqueles que se preocupavam com o tema que a economia socialista era realmente possível.

O problema do “agente e principal” 

Foi assim que as coisas permaneceram até a década de 1980, quando a moderna interpretação austríaca do debate começou a desafiar a tese que se tornara padrão. Nesse meio tempo, no entanto, a pesquisa no interior do paradigma neoclássico sobre o chamado problema “agente e principal” já havia começado. Embora não explicitamente relacionado aos modelos de socialismo, ela se tornou a base do tratamento do problema “motivação/incentivo” na pesquisa contemporânea sobre o socialismo de mercado. Um “agente” é uma pessoa que representa os interesses de seu “principal” em troca de uma recompensa; eis que os agentes podem ser gerentes e os principais podem ser diretores, acionistas ou o próprio Estado, embora estritamente falando o próprio Estado seja um agente para seu principal, a “sociedade”. Em um contexto de informação assimétrica, como aqueles que estão na posição de “principal” não possuem toda a informação disponível aos agentes, surge um problema de monitoramento. Os diretores em geral são incapazes de dizer se seus agentes estão atuando, em seu próprio nome, da maneira mais eficiente possível; eis que agentes podem tirar proveito dessa incerteza e perseguir os seus próprios interesses, que não são aqueles dos diretores.

O problema “agente e principal” aparece prontamente em qualquer modelo de socialismo descentralizado, pensado por meio da teoria neoclássica. Como o centro do sistema não pode monitorar perfeitamente o que cada empresa socialista faz, problemas de incentivo podem surgir. A dificuldade para o centro, então, é encontrar um esquema contratual ótimo entre si mesmo e a empresa ou, então, criar um conjunto de parâmetros que a empresa tem de tomar como dado. Estes parâmetros induziriam a empresa a se comportar de tal maneira que, ao maximizar os seus próprios interesses, atuasse também para a obtenção da máxima eficiência do ponto de vista social.

Deve-se notar que essa relação “agente e principal” é simétrica para as economias socialista e capitalista corporativa. O problema com o qual o principal socialista – o centro – tem que lidar é estruturalmente o mesmo que o enfrentado pelo principal capitalista – o acionista –, a saber, como induzir os seus agentes a agir adequadamente na busca de seus interesses. Existe agora uma literatura significativa sobre o desenho de mecanismos de “incentivos compatíveis” que atingem esse objetivo em maior ou menor extensão.13

No entanto, embora o problema seja estruturalmente o mesmo, ainda existe a questão de saber se o centro teria um incentivo igual ou semelhante ao dos acionistas para projetar e implementar mecanismos que sejam “compatíveis”. Como observado acima, os verdadeiros princípios socialistas implicam, estritamente falando, que as pessoas se consideram como constituintes da sociedade – e não como indivíduos. Tem sido argumentado, ademais, que os membros individuais da sociedade carecem do conhecimento que lhes permitiria monitorar o centro. Além disso, eles não têm incentivo para adquirir tal conhecimento, uma vez que o esforço envolvido seria desproporcional à diferença que a ação de qualquer indivíduo poderia fazer e, portanto, ao retorno que pudessem receber. Assim, as pessoas tenderiam a escapar dessa tarefa, já que todos confiariam em todos os outros e, consequentemente, não haveria assim qualquer monitoramento efetivo.

É sabido que os economistas neoclássicos vêm investigando precisamente esse problema no contexto do capitalismo corporativo. Talvez seja verdade que os eleitores individuais, em um contexto de socialismo de mercado, tenderiam a “pegar carona” nos “outros”, em vez de monitorar ativamente o centro. Ocorre que os resultados da teoria aplicadas aos mercados de capitais sugerem que os acionistas de uma empresa capitalista corporativa tender a ter um comportamento semelhante. Os acionistas que possuem frações insignificantes do total de ações de uma empresa têm pouco incentivo para monitorar o seu desempenho. Como Stiglitz bem coloca, “sempre há algum custo associado tanto à obtenção de informações para determinar se um gerente é um bom gerente, quanto para avaliar equipes alternativas de gerenciamento, em outras palavras, para votar de maneira inteligente, pois o benefício é bem insignificante”. 14

Assim, igualmente, os cidadãos socialistas e os acionistas capitalistas não têm incentivos para monitorar seus agentes. Em uma economia capitalista, uma solução possível para esse problema é fornecida pelas instituições financeiras intermediárias, as quais desempenham um papel positivo ao monitorar os administradores em nome dos acionistas. As instituições financeiras podem monitorar o desempenho gerencial e intervir em assembleias de acionistas ou em oferta pública de ações, embora a evidência empírica sugira que o mercado de controle corporativo está longe de ser eficiente.15 No entanto, se o monitoramento pelas instituições financeiras é possível em uma economia capitalista, é igualmente possível criar instituições intermediárias comparáveis em uma economia socialista de mercado.16

Assim, mesmo no interior do paradigma neoclássico, usualmente aplicado a uma economia capitalista corporativa, não há apoio teórico convincente para o argumento de que a propriedade privada é mais eficiente intrinsecamente ao lidar com o problema do “agente e principal” que, aliás, não deveria existir no caso da propriedade pública socialista. Em relação ao cálculo e à motivação, o socialismo de mercado neoclássico é teoricamente pelo menos tão eficiente quanto o capitalismo corporativo sob a ótica neoclássica.

A capacidade de descobrir do empreendedor 

No entanto, o desafio original à possibilidade do socialismo racional veio de Mises e Hayek, dois membros proeminentes da escola austríaca – que não é, como se sabe, neoclássica. Embora no debate histórico eles tenham focalizado também os problemas do cálculo e da motivação, a característica definidora da escola austríaca é seu conceito subjetivo de conhecimento e a consequente centralidade do processo de descoberta por meio da atividade empreendedora. Embora tenha sido afirmado por Dan Lavoie que a descoberta inerente ao processo de mercado estava já implícita nas contribuições dos anos 1920 e 1930 de Mises e Hayek,17 a completa articulação e expressão da questão da “descoberta” – assim como o desafio que apresenta à possibilidade do socialismo – foram desenvolvidos pelo revivescimento da escola austríaca moderna no debate nos anos oitenta.

Segundo a escola austríaca, tal como ela se cristalizou atualmente, o problema econômico não é, como sustenta a escola neoclássica, simplesmente uma questão de como alocar recursos limitados entre usos alternativos que são buscados por desejos ilimitados; ao contrário, o problema é como o conhecimento subjetivo, ou tácito, necessariamente fragmentado e disperso, pode ser socialmente mobilizado. Hayek expressa o argumento austríaco sobre a impossibilidade de uma análise objetiva dos dados existentes como se segue:

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional consiste precisamente no fato de que o conhecimento das circunstâncias que precisamos fazer uso nunca existe na forma concentrada ou integrada, mas apenas como fragmentos dispersos de conhecimento incompleto e frequentemente contraditório que todos os indivíduos separados possuem. 18 

A resposta austríaca é que a mobilização e coordenação destes conhecimentos incompletos e contraditórios ocorrem por meio das ações de empreendedores, competindo uns contra os outros no processo de mercado, descobrindo e aprendendo o que é e o que não é possível.19 Assim, no cenário da teoria austríaca, o nexo entre meios e fins da vida econômica não é predeterminado, mas está sujeito à ação criativa dos participantes do mercado. Assim, o problema econômico é considerado, não como otimizar o uso dos recursos disponíveis, mas como otimizar o uso do conhecimento.

Embora a natureza tácita do conhecimento e o processo de descoberta e, assim, de aprendizagem sejam centrais para todos os membros da escola austríaca, há alguma diferença nas visões dos autores que a ela pertencem. Como McNulty assinalou, enquanto o empreendedor misesiano e kirzneriano detecta e explora as oportunidades que os outros não perceberam dentro do leque existente das atividades econômicas, desempenhando, assim, um papel equilibrador, o empresário schumpeteriano desempenha um papel diferente, ou seja, desequilibrador, que interrompe o rol das atividades existentes e cria novas por meio da inovação. No processo de mercado, os dois tipos de empreendedores se complementam – um deles cria a mudança, o outro responde a ela. 20

O papel do cálculo (ou da computação) e da motivação (ou do incentivo) do mecanismo de mercado são comuns às escolas neoclássica e austríaca. O papel da descoberta e da aprendizagem, no entanto, é distintiva da escola austríaca. O processo cognitivo de descoberta inerente aos mercados é visto, tal como o processo do discurso humano por meio da linguagem, como um processo intrinsecamente social:

Tal como a conversação verbal, o diálogo do mercado depende do dar e receber específico desse modo de interação social, um processo criativo de interação no qual o conhecimento que emerge excede aquele detido por qualquer um dos participantes... A competição não é vista como uma atitude psicológica, mas como um processo criativo de aprendizagem entre as mentes atuantes... Existe, portanto, um processo comunicativo bidirecional que produz um tipo de inteligência social que depende, mas vai além, das inteligências individuais dos participantes do sistema.21 

É essa função de descoberta e de aprendizado, inerente como tal ao processo de mercado, o ponto crucial da escola austríaca, que, ademais, nitidamente a afasta da perspectiva neoclássica. Ele sustenta a afirmação da escola austríaca de que o socialismo de mercado postulado pela teoria neoclássica, assim como o planejamento central que defende, é impossível ou irracional, já que a descoberta e a mobilização eficientes do conhecimento subjetivo, necessariamente disperso, requerem um processo de mercado baseado na propriedade privada dos meios de produção.

Don Lavoie argumenta que os empreendedores, motivados por incentivos privados, direcionam os seus esforços para a obtenção de lucros potenciais e, ao fazê-lo, utilizam os seus conhecimentos dispersos para descobrir novas oportunidades: “O papel dos lucros não é primariamente motivar as pessoas a fazerem a coisa certa, mas consiste apenas em induzir a descoberta, por meio do próprio processo de interação mercantil, daquela coisa certa que deve ser feita. 22 A propriedade privada, segundo eles, não apenas induz tal esforço, mas também – e ainda mais importante – é uma condição necessária para que descoberta ocorra.

Agora, enquanto a objeção epistemológica austríaca ao paradigma neoclássico e, portanto, ipso facto ao socialismo neoclássico, pode ser convincente, isso ainda não estabelece a afirmação mais forte de que todas as formas de socialismo, por si só, são ineficientes. Portanto, o argumento de Janos Kornai de que há uma “afinidade” entre a propriedade privada e o processo de mercado deve ser aceito.23 Se o argumento de que a descoberta e o aprendizado só podem ocorrer por meio das operações inerentes ao processo de mercado – e que esse processo requer a propriedade privada – fosse verdadeiro, ele seria uma refutação convincente da possibilidade de toda forma possível de socialismo de mercado.

No entanto, mesmo aceitando esse argumento incorreto, a afirmação dos economistas austríacos acerca da superioridade do capitalismo só seria relevante no caso em que os empreendedores privados usassem apenas o seu próprio capital ou empregassem capital para o seu próprio uso. O caso do capitalismo corporativo moderno, no qual surge a questão da relação entre proprietários de capital como acionistas e atividade empreendedora dos gerentes, não tem sido amplamente explorado pelos austríacos.24 Isso abriu espaço para a construção de modelos do que pode ser chamado de "socialismo de mercado austríaco", que incorpora o empreendedorismo e o mercado de capitais com a finalidade precípua de resolver assim o problema da descoberta.

A relevância do debate para o socialismo 

Qualquer modelo de economia socialista deve lidar com os problemas relativos ao cálculo, à motivação e à descoberta das informações. O modelo soviético de planejamento centralizado e de comando administrativo acabou falhando em cada um desses três rótulos. Dentro do paradigma neoclássico, estabeleceu-se que os problemas do cálculo e da motivação podem ser devidamente tratados, isto é, dentro do critério da eficiência, com base tanto em empresas estatais como em base de empresas privadas. Dentro do paradigma austríaco, como vimos, o foco está na motivação e, acima de tudo, na descoberta. Em nossa opinião, a crítica austríaca do paradigma neoclássico e, com ele, do socialismo de mercado neoclássico – e, a fortiori, do planejamento central neoclássico – é esmagadora. O processo de mercado do capitalismo, tal como é apreendido pela teoria neoclássica, é essencialmente uma metáfora ruim que visa permitir apenas a análise dos estados de equilíbrio, assim como das propriedades estáticas do estado de bem-estar. O paradigma neoclássico nada contribui para uma compreensão do modo de operar do processo de mercado do capitalismo, assim como dos processos de mercado em geral.

A escola austríaca, ao contrário, oferece esclarecimentos efetivos sobre a operação das forças reais que operam no mercado capitalista, tais como conhecimento imperfeito, incerteza, mudança contínua, desequilíbrio endêmico e um processo infindável de descobertas. Qualquer modelo de economia socialista deve ser capaz de enfrentar o desafio austríaco, o qual foi reforçado pelo peso da experiência histórica. Eis que diz que o socialismo – e, assim, os modelos ou as sociedades reais que se pretendem socialistas – não é capaz de mobilizar e organizar de modo eficiente indivíduos dispersos, que formam crenças pessoais e subjetivas na experiência prática, chegando apenas a deter um conhecimento incompleto e contraditório das condições da própria ação.

No entanto, embora a visão austríaca seja obstinadamente insistente, ela é incompleta. O compromisso ideológico da escola austríaca com a propriedade privada e as forças de mercado a leva a subestimar a relevância de uma terceira – ainda que menor – contribuição para o debate histórico do cálculo econômico socialista, aquela que foi formulada por Maurice Dobb.

Dobb insistiu que o planejamento econômico, que visa sempre a coordenação ex-ante de grandes investimentos interdependentes, é uma característica definidora de economia socialista e é incompatível com a propriedade privada.25 Ele criticou os modelos descentralizados dos socialistas de mercado neoclássicos, alegando que eles procuravam meramente imitar o capitalismo tal como visto pelo prisma neoclássico – mas não em desenvolver um sistema qualitativamente novo. No entanto, sua contribuição foi amplamente ignorada pelos outros participantes do debate.

O argumento de Dobb era de que os economistas socialistas neoclássicos, tendo definido o socialismo apenas com base na propriedade legal dos meios de produção, estavam preocupados com a questão de alocar uma dada quantidade de recursos escassos entre vários usos alternativos. Eles se concentraram nas condições marginais para o equilíbrio estacionário e deram pouca ou nenhuma atenção aos problemas de coordenação e aos caminhos do crescimento de longo prazo. Dobb recusou-se a aceitar que a estrutura do debate deveria ser aquela estabelecida pelo problema da escassez e da necessidade de se chegar a uma avaliação relativa das alternativas para otimizar o uso de recursos escassos.

Criticou, então, os modelos descentralizados do tipo proposto por Lange por sua confiança no mecanismo de mercado, argumentando que “aqueles que sonham em casar o coletivismo com a anarquia econômica não devem, de qualquer modo, fingir que a descendência desse estranho casamento herdará apenas as virtudes do pais mal casados”. 26 Para Dobb, a capacidade de planejar a atividade econômica era a principal diferença entre uma economia de mercado capitalista e um sistema socialista. Segundo ele, “o contraste essencial se dá entre um sistema econômico em que as decisões multifacetadas, que regem a produção, são tomadas cada uma ignorando todas as outras e um sistema alternativo em que tais decisões são coordenadas e unificadas”. 27

Instabilidades e perdas da economia de mercado

O ponto defendido por Dobb dizia que o planejamento econômico permitiria que os dois principais inconvenientes do mecanismo de mercado – as instabilidades e as externalidades – fossem superados. Ele sustentou que o desequilíbrio em uma economia de mercado só é corrigido após o evento, com a consequência de que as flutuações econômicas são endêmicas e os recursos desperdiçados, enquanto o planejamento econômico permitiria que decisões, especialmente aquelas relacionadas a grandes investimentos interdependentes, fossem coordenadas antes de qualquer comprometimento dos recursos.

Tal como Dobb admitiu, essa coordenação ex-ante traria doistipos de vantagens. Primeiro, numa economia não planejada, o equilíbrio de mercado “só é alcançado por meio de flutuações incessantes, que são elas próprias condicionadas pelas incertezas inerentes à própria produção mercantil, pois cada decisão autônoma aí é necessariamente ‘cega’ em relação às decisões relacionadas”;1 já o planejamento permite que as incertezas decorrentes da natureza atomizada das tomadas de decisão individual sejam superadas. Em segundo lugar, o planejamento permite que as externalidades sejam levadas em consideração explicitamente e que as decisões interrelacionadas, como as que envolvem a infraestrutura, sejam coordenadas antes de serem implementadas.

Finalmente, Dobb argumentou que, com o planejamento, aquilo que aparece como “dado” no problema estático pode ser convertido em “variável” em uma estrutura dinâmica. Assim, seria possível tomar decisões sociais conscientes, não apenas sobre a taxa global de investimento, mas também sobre a distribuição do investimento entre indústria de bens de capital e de bens de consumo, sobre a escolha de técnicas, quanto a distribuição regional do investimento e assim por diante.

Foi visto que, durante o debate histórico, tanto os austríacos quanto Dobb criticaram a escola neoclássica do socialismo de mercado, embora a partir de diferentes perspectivas. Do ponto de vista de Dobb, a forma organizacional atomista de uma suposta economia de mercado necessariamente gera imperfeições de conhecimento. Argumentou, por isso mesmo, que essas imperfeições poderiam ser remediadas por uma agência de planejamento. Ele não abordou, entretanto, a percepção austríaca moderna do processo de descoberta e de aprendizagem por meio do qual o conhecimento tácito é socialmente mobilizado.

De acordo com a escola austríaca, em contraste, esse processo de descoberta e aprendizado requer necessariamente a atuação de empresários no mercado. Os austríacos aceitam que o atomismo característico da forma organizacional do mecanismo de mercado gera imperfeições de conhecimento, mas afirmam, nas palavras de Israel Kirzner, que “descrever o processo competitivo como desperdiçador porque corrige os erros somente depois que eles ocorreram parece similar a atribuir a doença ao remédio que produz a cura, ou até mesmo culpar o procedimento diagnóstico pela doença que ele identifica.2

A relevância do debate do cálculo econômico socialista para o socialismo contemporâneo vem das questões teóricas que levanta. Uma maneira de caracterizálas consiste em considerar dois tipos de imperfeições de conhecimento que devem ser levados em conta quando se pensa em sistemas econômicos alternativos: aquelas geradas pela natureza tácita do conhecimento disperso e aquelas geradas pela forma atomística inerente à organização do mercado.

Com base nessa classificação, três abordagens alternativas que visam ou não esses dois tipos de imperfeição podem ser identificadas no debate. A escola neoclássica desconhece as duas formas de imperfeição.3 A escola austríaca admite a existência de ambos os tipos, mas argumenta que a descoberta e mobilização de conhecimento tácito por meio do processo de mercado requerem ação autônoma por parte dos agentes econômicos. Ora, isso impossibilita qualquer tentativa de coordenação ex-ante a fim de lidar com o segundo tipo de imperfeição. Finalmente, Dobb defende a coordenação exante da atividade econômica para lidar com as imperfeições do conhecimento intrínseco ao processo de mercado, mas não reconhece a natureza tácita da informação.

A análise até agora feita sugere que os modelos de economia socialista devem ser avaliados em termos (i) de sua capacidade de lidar com as questões do cálculo, da motivação e da descoberta, e (ii) da forma como lidam com as imperfeições do conhecimento que surgem da natureza tácita do conhecimento e da tomada de decisão atomizada que caracteriza o mecanismo de mercado. Se partirmos do pressuposto que o socialismo requer alguma forma de propriedade não capitalista, podemos identificar três candidatos contemporâneos ao posto de melhor alternativa ao capitalismo: os modelos de socialismo de mercado que envolvem mercados reais, em oposição ao que se pode denominar de falsos mercados; os modelos baseados em cálculo direto, sem mercados reais; e um modelo de planejamento participativo, no qual as forças de mercado são substituídas por uma combinação de mercado de trocas reais e de coordenação ex-ante dos grandes investimentos por meio de um processo de tomada de decisão participativo.

Contendentes contemporâneos: o socialismo de mercado

Os modelos contemporâneos de socialismo de mercado são baseados em empresas estatais ou em empresas pertencentes a várias instituições não estatais, mas não privadas, ou mesmo cooperativas de trabalhadores. Essas empresas operam em mercados reais de produtos e, às vezes, também em mercados reais de capital. Eles buscam combinar a eficiência supostamente inerente aos mercados com uma igualdade de renda associada aos valores socialistas. Nossa avaliação desses modelos enfocará a eficiência no uso do estoque de capital existente, a eficiência na alocação do investimento e a extensão em que os modelos incorporam considerações sociais mais amplas.

Sob cada um desses títulos, distinguiremos aqui os modelos que estão essencialmente dentro do paradigma neoclássico com relação aos seus pressupostos epistemológicos e metodológicos e aqueles que se enquadram no paradigma austríaco. Como regra geral, os modelos que reconhecem implícita ou explicitamente o problema da descoberta por meio da atividade empreendedora, podem eles ser caracterizados como tipos de um socialismo de mercado austríaco. Por outro lado, aqueles que não reconhecem esse problema podem identificados como tipos de um socialismo de mercado neoclássico4 .

Eficiência no uso do estoque de capital existente

As questões que surgem aqui dizem respeito ao cálculo, à motivação e ao problema associado de “agente e principal”. O modelo de “socialismo viável” de Alec Nove, talvez o mais célebre modelo de socialismo de mercado depois do modelo de Oskar Lange, prevê uma economia em lenta mudança na qual as empresas satisfazem as demandas de mercado com a capacidade pré-existente, procurando fazer investimentos incrementais, os quais são financiados pelos lucros retidos ou por créditos bancários. Elas, em suma, procuram sempre se adaptar às lentas mudanças na demanda e na tecnologia.5 Os preços emergentes nos mercados competitivos fornecem a base para o cálculo racional e esses próprios mercados fornecem a motivação para a eficiência.

O modelo de Nove cai essencialmente dentro do paradigma neoclássico, uma vez que o seu foco está no ajuste marginal, sem que seja atribuído qualquer papel para empreendedorismo ou para descoberta de informações. Assume-se que as maiores mudanças e os investimentos não marginais, juntamente com a regulação do comportamento empresarial, são feitos pelo Estado. Não há, entretanto, qualquer discussão de como isso deve ser feito ou como o conhecimento necessário às tomadas de decisões vem a ser descoberto. Assim, o problema de “agente e principal” não é discutido e o desafio teórico austríaco não é enfrentado. Além disso, as lições da experiência histórica em relação às tentativas reais de implementar versões do socialismo de mercado são, na maior parte, ignoradas.6

A maior parte dos trabalhos sobre o socialismo de mercado após o de Nove são denominados por Bardhan e Roemer como "modelos de quinta geração". 7 Eles se preocupam em analisar as propriedades de eficiência de uma economia composta por empresas não privadas que maximizam o lucro dentro de uma estrutura econômica concebida nos moldes da teoria neoclássica. Uma característica distintiva dessa geração de modelos é a aceitação do problema de “agente e principal” como uma dificuldade central que os socialistas de mercado precisam enfrentar. Trata-se, então, de pensar as várias formas de alocar direitos de propriedade de tal modo que pessoas auto interessadas ou mesmo egoístas possam atuar de maneira que resulte em um uso eficiente dos recursos.8 Deve-se notar que, dentro do paradigma neoclássico, o conceito de eficiência utilizado é o de “ótimo de Pareto”. Este, como se sabe, advém de uma definição técnica que se refere a uma situação em que, dadas certas suposições altamente restritivas, a utilidade de uma pessoa não pode ser aumentada sem que a utilidade de qualquer outra seja diminuída.

O modelo neoclássico atual mais cristalizado de socialismo de mercado é o de Bardhan e Roemer. Nele, o problema sobre como o principal pode monitorar o agente é explicitamente abordado.9 Eles propõem dois mecanismos, os quais conscientemente simulam os arranjos institucionais para disciplinar os administradores mais comuns encontrados no próprio capitalismo: o monitoramento centrado em bancos e um falso mercado de capitais.

O mecanismo centrado em bancos, que, aliás, tem muito em comum com a organização japonesa do “keiretsu”, consiste em formar um grupo corporativo que tem em seu núcleo um banco público como principal. As firmas que atuam como membros desse grupo são sociedades anônimas. Uma minoria das ações é de propriedade dos trabalhadores da empresa, pois o restante delas pertence ao banco nuclear do grupo, às outras empresas do grupo e à terceiros fora do grupo, tais como outras empresas, fundos de pensão ou governos locais. O banco nuclear é de propriedade do Estado, com participação majoritária de outras instituições financeiras. Assim, as empresas não seriam de propriedade direta do Estado, mas apenas indiretamente por meio do banco nuclear e de outras empresas do grupo.

O monitoramento seria realizado principalmente pelo banco nuclear, mas também pelos outros membros do grupo. Em geral, o grupo seria tecnologicamente inter-relacionado, de modo que, entre outras coisas, o banco nuclear “poderia se especializar em alguma área tecnológica relativamente estreita e bem definida, com o objetivo de monitorar e examinar seus empréstimos e participações acionárias nas empresas associadas”. 10

O monitoramento seria eficaz, uma vez que tanto o banco nuclear quanto as outras empresas do grupo deteriam a maior participação, assim como mais informações "internas" sobre cada uma das empresas do que acionistas ordinários em um sistema centrado no mercado de ações. Esse sistema, ademais, seria capaz de detectar e de agir com base nos primeiros sinais de futuros problemas mais facilmente do que um corpo difuso de acionistas. Além disso, ele seria mais propenso a ter uma visão mais ampla em matéria de riscos e de inovações”.11

Esse sistema seria capaz de monitorar efetivamente os agentes, mas teria ele também suficiente incentivo para fazer isso? O argumento deles é que eles o teriam, porque todas as firmas do grupo estariam interessadas no retorno de suas participações umas nas outras e o banco nuclear “desejaria manter sua reputação de credibilidade como monitor delegado em um sistema de monitoramento por delegação recíproca com um pequeno número de outros bancos. Ele “não desejaria perder o ativo intangível que acumulara especificamente em seu relacionamento de longo prazo com as empresas afiliadas”. 12

Modelos alternativos

O segundo mecanismo de monitoramento proposto vem a ser um falso mercado de capitais, ou seja, um “mercado de conchas”. De início, todos os cidadãos recebem uma dotação inicial igual de senhas, que só podem ser usadas para comprar ações de empresas, denominadas não em dinheiro, mas em cupons – ou em conchas. As ações não podem ser compradas ou vendidas por dinheiro, pois apenas podem ser negociadas a preços expressos em cupons. A participação acionária implica em um direito a uma parcela dos lucros da empresa. Os preços em cupons das participações, portanto, oscilarão tal como os preços das ações nas bolsas de valores capitalistas. As ações de empresas cuja administração está tendo um desempenho ruim, com consequentes lucros baixos, serão vendidas e seu preço em cupons cairá, e vice-versa. Assim, esse falso mercado de capitais “forneceria os mesmos sinais que fornece um mercado de ações capitalista”. 13

O monitoramento com base nesses sinais seria realizado pelo sistema bancário. As empresas são financiadas neste sistema por empréstimos de bancos públicos. Este mercado de conchas não é uma fonte de financiamento de capital, mas apenas um mercado de direitos de propriedade sobre os lucros das empresas. Se o preço em cupons relativo à participação em uma empresa começar a cair, os bancos teriam um incentivo para investigar o desempenho da administração da empresa, a fim de garantir que ela permanecesse suficientemente lucrativa para pagar seus empréstimos aos bancos.

É certo que o sistema de conchas poderia ser combinado com o monitoramento interno feito a partir do sistema “keiretsu”, centrado nos bancos. Eis que os sinais dados pelos preços em cupons referentes às ações podem influenciar a intensidade do monitoramento interno que é feito pelo banco nuclear. Assim, “poder-se-ia projetar um sistema que permitisse graus variados de influência de tal mercado de ações na alocação de capital e no monitoramento da empresa, dependendo da visão que se possa tersobre a eficiência desse mercado acionário. 14

Bardhan e Roemer reconhecem que em ambos os sistemas a questão da relação entre o Estado e os bancos continua sendo um problema. Eles consideram que a questão central é se os bancos teriam independência suficiente do Estado para poder agir com base em critérios econômicos – e não em critérios políticos. Argumentam, no entanto, que o modelo por eles proposto teria sucesso em remover as empresas da órbita do Estado sem conceder aos cidadãos individuais direitos desenfreados de propriedade privada.

As participações acionárias referente ao banco nuclear e as participações acionárias interligadas das empresas que participam de um grupo corporativo proporcionariam um amortecedor contra a influência política direta nas atividades das empresas. As ações do banco nuclear mantidas por outros bancos e instituições financeiras, ainda que minoritárias, tornariam mais difícil para o Estado pressionar o banco. Mesmo assim, Bardhan e Roemer recomendam que seja criada uma norma constitucional que limite estritamente as circunstâncias em que o Estado poderia usar sua participação majoritária para intervir nas operações dos bancos.

De modo paralelo a esses modelos baseados em formas de propriedade nãoestatais e não privadas, há um grupo de modelos baseados em cooperativas de trabalhadores ou em empresas administradas por eles. A análise neoclássica inicial da empresa administrada pelos trabalhadores identificou várias ineficiências decorrentes da suposição de que os trabalhadores buscam maximizar a renda por trabalhador enquanto os capitalistas maximizam os lucros.15

Os modelos contemporâneos dessa tradição se preocuparam em mostrar como essas ineficiências podiam ser superadas. Sertel demonstrou que as ineficiências não surgem quando um mercado de direitos de participação é introduzido, caso em que o comportamento de uma empresa administrada por trabalhadores torna-se idêntico ao de sua equivalente capitalista.16 Fleurbaey propõe um modelo baseado na democracia no local de trabalho no qual o financiamento externo indireto – com base na poupança doméstica canalizada por meio do sistema bancário – permite que a maioria das ineficiências tradicionais seja superada.17 Weisskopf desenvolve um modelo no qual as empresas autogeridas por trabalhadores obtêm ativos por meio da venda, entre outras coisas, de ações negociáveis sem direito a voto para fundos mútuos independentes. Então, analisa as propriedades de eficiência do modelo e conclui que:

é possível responder às várias linhas de crítica de modo a diminuir consideravelmente a força do argumento de que o modelo de socialismo de mercado que advogo será ineficiente. Não pretendo sugerir que será tão eficiente (por critérios convencionais de eficiência) quanto um modelo capitalista. Contra qualquer desvantagem de eficiência restante..., porém, deve ser levado em conta não apenas as suas contribuições para... os objetivos socialistas..., mas também certas vantagens de eficiência compensatórias.18

A conclusão de Weisskopf encapsula a essência da abordagem neoclássica do socialismo de mercado – esta analisa diferentes modos de alocar direitos de propriedade para contrariar o comportamento oportunista, voltado para o próprio interesse – e não da sociedade como um todo. Para tanto, cria modelos de acordos contratuais que são eficientes no sentido de Pareto. Os socialistas de mercado neoclássicos têm sido mais ou menos bem-sucedidos ao lidar, em seus próprios termos, com as questões do cálculo e da motivação em relação ao uso eficiente (no sentido de Pareto) do capital existente, mas não são capazes de abordar minimamente a questão da descoberta. Nem é de modo algum evidente, mesmo em princípio, que eles poderiam fazê-lo.

Contudo, há o modelo de Tidor Liska que procura lidar com a questão da descoberta no contexto do emprego da capacidade existente. E ele poderia ser considerado como um primeiro a ser classificado como modelo de socialismo de mercado austríaco. Esse autor procura substituir o “gerente socialista” pelo “empresário socialista”. O seu modelo se baseia na ideia de alugar unidades de produção de propriedade estatal a empresários privados por meio de um processo de licitação competitiva.19

Nessa proposta, o Estado possui os meios de produção existentes e toma decisões sobre investimentos. Mas os licitantes capazes de fazer os maiores lances decidem como os meios de produção existentes devem ser usados e o fazem com base em suas expectativas iniciais e no que eles descobrem ao empregá-los na produção. Quando o contrato expira, o processo de licitação é repetido e o empreendedor em operação deve ser capaz de fazer o lance mais alto ou deixar o negócio porque outro licitante foi capaz de fazer um lance vencedor. A ênfase está, portanto, nos "recursos humanos" dos empreendedores; ao final, são destes que resultam – supõe-se – um ganho excedente residual que os remunera. Assim, o modelo pode ser interpretado como uma tentativa de assegurar que a produção estatal e as unidades de produção sejam usadas de um modo empresarial de tal modo que o uso mais eficiente dos recursos é descoberto na prática.

Eficiência na alocação do investimento

No entanto, embora o modelo de Liska aborde a questão da descoberta no contexto do uso da capacidade existente, como tal ela só pode surgir como uma questão fundamental quando as decisões de investimento são tomadas num contexto de mudança e incerteza radical. É por isso que os modelos neoclássicos do socialismo de mercado, dominados pela análise das propriedades de eficiência dos estados de equilíbrio em condições de certeza ou de risco calculável são incapazes de responder ao desafio austríaco moderno. Ora, este último, abraçando a incerteza radical, está mais preocupado com os problemas de motivação e da descoberta do que com os problemas de cálculo e motivação.20 A maioria dos modelos neoclássicos de socialismo de mercado simplesmente assume que o padrão de investimento gerado por forças de mercado perfeitamente competitivas é eficiente para, então, explorar as maneiras pelas quais esse padrão pode ser alcançado em uma economia composta por empresas que não são mais privadas.

Apesar disso, existem alguns modelos socialistas de mercado que tentam lidar explicitamente com as questões do empreendedorismo e da descoberta em um contexto dinâmico em que há incerteza. Tais projetos, portanto, podem ser considerados como legítimos modelos austríacos de socialismo de mercado. O modelo de Brus e Laski formula o que eles mesmos chamam de "socialismo de mercado propriamente dito". Eis que procura combinar, “de uma forma ou outra, a propriedade estatal” com “total independência das firmas e um verdadeiro empreendedorismo".

Este último tem de se fazer valer tanto num mercado de capitais real quanto em mercados reais de produtos e de força de trabalho. 21 No entanto, as condições que devem ser satisfeitas para alcançar esse resultado – note-se que o modelo replica de fato o capitalismo – são tais que tornam a retenção formal da propriedade estatal algo bem artificial e redundante. Assim, Brus e Laski concluem que “a lógica pura do mecanismo de mercado em sua completude parece indicar que a empresa não-estatal (ou seja, a empresa privada) vem a ser o constituinte mais natural do setor empresarial".22

Estrin pensa uma economia na qual as cooperativas de trabalhadores autogerenciadas podem tomar capital emprestado de companhias matrizes (holdings). As ações dessas companhias são de propriedade do governo e das próprias empresas autogeridas, mas elas, no entanto, maximizam lucro. Ele argumenta, por um lado, que as forças de trabalho existentes nas empresas autogestionadas devem arcar com os riscos da produção, mas, por outro lado, devem receber quaisquer excedentes residuais. Já a companhias matrizes devem desempenhar a função empreendedora de inovação, pesquisa e desenvolvimento, assim como de pesquisa de mercado. As matrizes administrariam o capital social criando e fechando empresas – no último caso, mesmo quando há oposição dos trabalhadores envolvidos.23

Schweickart propoz um modelo de "democracia econômica" em que a produção é feita por unidades gerenciadas por trabalhadores. Os mercados de bens de consumo e de produção, assim como os investimentos, são socialmente controlados. As empresas competem umas com as outras, obtendo recursos financeiros nos bancos comunitários regionais, e os aplicando em novas oportunidades à medida em que estas vão sendo descobertas. Schweickart afirma que “a democracia econômica prevê e, na verdade, requer a existência de empreendedores socialistas”, isto é, indivíduos ou coletivos dispostos a inovar, a assumir riscos, na esperança de fornecer novos bens e serviços ou ainda bens antigos de novas maneiras”. 24

O que esses modelos austríacos de socialismo de mercado têm em comum é a tentativa de imitar o mais próximo possível as instituições do capitalismo, mesmo se propõem diferentes formas de propriedade não capitalista. Quanto mais se aproximam desse desiderato, quanto mais incorporam um processo de descoberta e de mobilização do conhecimento tácito, mais se afastam da capacidade de lidar com as imperfeições do conhecimento decorrentes da tomada de decisão atomizada, a qual, como se sabe, é inerente ao funcionamento das forças do mercado.

Considerações sociais mais amplas 

Os modelos socialistas de mercado enfatizam a eficiência das forças de mercado mesmo se as interpretam de diferentes maneiras. Afirmam que a sua superioridade em relação ao capitalismo está principalmente na distribuição de renda bem mais igualitária, algo que apenas a propriedade não privada torna possível. No entanto, alguns socialistas de mercado também reconhecem que o funcionamento das forças de mercado é caracterizado por problemas de coordenação, externalidades e aversão ao risco. Por conseguinte, procuraram incorporar em seus modelos certas instituições e procedimentos que permitem ter em conta considerações sociais mais amplas do que aquelas que podem ser predicadas do funcionamento não regulamentado das forças do mercado competitivo. 25

Um modelo neoclássico recente de Ortuno-Ortin, Roemer e Silvestre explora maneiras diferentes de impulsionar padrões de investimento politicamente determinados. Isso é feito por meio de incentivos fiscais e taxas de juros que diferem entre setores.26 Desenvolveram um modelo de equilíbrio geral no qual o centro implementa um padrão predeterminado de investimento seja por meio de comandos diretos seja por meio de “planejamento indireto”. Este último é constituído por sinais paramétricos de mercado aos quais as empresas públicas respondem maximizado o lucro.27 Entretanto, o fator crucial a ser notado é que nesse modelo “o poder público tem informações completas sobre a tecnologia das firmas”; em consequência, a crítica austríaca aos pressupostos epistemológicos subjacentes ao paradigma neoclássico aplicam-se com força total.28

As tentativas do socialismo de mercado austríaco de levar em conta considerações sociais mais amplas do que aquelas permitidas pela operação das forças de mercado competitivas foram feitas por, entre outros autores, por Estrin e Winter e por Schweickart.

Estrin e Winter, no contexto de um modelo de empresas autogeridas e de matrizes (holdings) que maximizam lucro – antes desenvolvido por Estrin – defenderam o planejamento indicativo para reduzir as imperfeições do conhecimento associadas à coordenação ex-post das decisões atomizadas que resultam do mero funcionamento das forças de mercado.

Schweickart propõe que a taxa global de investimento seja decidida democraticamente por meio do processo político. Os bancos comunitários regionais, então, recebem alocações de parcelas dos fundos de investimento disponíveis para que passem a emprestar às empresas com base nas prioridades sociais acordadas. As empresas gerenciadas pelos trabalhadores, portanto, competiriam por esses fundos de investimento. Os bancos as alocariam principalmente com base na lucratividade esperada, mas também levariam em conta outros critérios politicamente determinados.29

Um modelo relacionado, que busca “a democratização do mercado dentro de uma estrutura de planejamento estratégico” foi proposto por Elson. 30 Essa autora argumenta que o processo de mercado não permite uma reflexão coletiva que ocorra antes da tomada de decisão por parte das unidades produtoras individuais. Como essa última prática fomenta a busca de objetivos individuais às expensas da cooperação de longo prazo, sugere que o mercado deve ser transformado ou "socializado" por novas instituições de regulação e controle democráticos

Em seu modelo, as empresas são de propriedade pública; há representantes dos consumidores e da comunidade local em seus conselhos, mas elas são autogeridas internamente. Um órgão “regulador de empresas públicas" desempenha as funções do mercado de capitais; os preços são fixados por meio de um diálogo entre as empresas e as “comissões de salários e preços”. Essa configuração, de acordo com Elson, mudaria a natureza antagônica das relações sociais entre compradores e vendedores, de tal modo que tornaria o processo de formação de preços mais público do que privado. Além disso, a operacionalidade do sistema seria reforçada pela criação de “redes de compradores-vendedores”, as quais facilitariam a troca de informações e garantiriam a divulgação de informações.

Contradições não resolvidas do socialismo de mercado

A maioria dos trabalhos modernos no campo da teoria econômica do socialismo consiste na elaboração de versões alternativas do socialismo de mercado. No entanto, a coerência do projeto socialista de mercado tem sido questionada, tanto por aqueles que acreditam que o capitalismo é intrinsecamente mais eficiente quanto por aqueles que acreditam que o socialismo envolve necessariamente planejamento econômico. O objetivo dos socialistas de mercado é combinar igualdade com eficiência, levando em consideração as considerações sociais mais amplas acima mencionadas. No entanto, existem tensões não resolvidas, de fato não resolvíveis, dentro do projeto socialista de mercado.

A fim de alcançar um grau maior de igualdade em relação àquele que se imagina possível sob o capitalismo, a propriedade privada é substituída nos modelos socialistas de mercado por várias formas de propriedade não privada. Para evitar as ineficiências associadas ao planejamento central e ao comando administrativo, ou às intervenções políticas do Estado, é requerido que as empresas se tornem mais ou menos autônomas. Assim, as decisões das empresas não privadas que compõem a economia são coordenadas, em diferentes graus, em diferentes modelos socialistas de mercado, pelas forças do mercado. No entanto, para que as propriedades de eficiência supostamente associadas às forças do mercado sejam plenamente realizadas é preciso que as empresas sejam mais do que autônomas.

Em consequência, a lógica do socialismo de mercado caminha inexoravelmente na direção do socialismo de mercado austríaco, isto é, do “socialismo de mercado propriamente dito” de Brus e Laski. Porém, como se sabe, o mecanismo de incentivo inerente às forças de mercado, atinentes ao sucesso ou ao fracasso competitivo, gera desigualdade. Esse problema, adicionado às considerações sociais mais amplas que os socialistas de mercado tendem a considerar importantes, cria pressões para limitar a autonomia das empresas e, portanto, o escopo do funcionamento das forças de mercado. As limitações à autonomia empresarial, por sua vez, recriam as próprias ineficiências que o projeto socialista de mercado se propõe a superar.1

Além dessas tensões – ou mesmo contradições – dentro do projeto socialista de mercado, há outras considerações que levam alguns socialistas a rejeitar o próprio conceito de socialismo de mercado. Em primeiro lugar, há o ponto de Dobb segundo o qual a tomada de decisão atomizada, feita por empresas autônomas por meio das forças de mercado, cria necessariamente imperfeições de conhecimento que resultam na “anarquia da produção”. Essa dificuldade, argumenta-se, pode ser superada pela coordenação ex-ante, planejada, das principais decisões interdependentes, mas não pelo planejamento indicativo defendido tanto por Estrin e Winter como por Elson, embora este último não tenha chegado a apontá-la. 2 Visto que, no final das contas, as empresas envolvidas no planejamento indicativo permanecem autônomas e agem atomisticamente, o próprio planejamento indicativo não pode superar a anarquia da produção inerente ao funcionamento das forças de mercado.

Em segundo lugar, muitos socialistas rejeitam a suposição comportamental admitida explicitamente nas propostas do socialismo de mercado, ou seja, de que as pessoas necessariamente agem de maneira egoísta, estreitamente com base em seu auto-interesse e de modo oportunista, argumentando que o comportamento é moldado pelas instituições sociais e que os arranjos econômicos socialistas devem encorajar o comportamento cooperativo ao invés de promover as relações sociais competitivas. Finalmente, permanece forte – e por boas razões – a crença de que as forças de mercado criam alienação, assim como uma sensação de desamparo, porque as pessoas ficam sujeitas a forças que estão além de seu próprio controle. Sustenta-se, então, que é adequado pensar em um sistema que promova a participação em um processo de autodeterminação individual e coletivo.

No entanto, apesar dessa crítica ao socialismo de mercado, na aparente ausência do que seria visto como uma alternativa convincente, a maioria dos socialistas, embora com relutância, voltaram-se para ele como a única maneira de sustentar qualquer projeto socialista global. Há, no entanto, duas outras abordagens contemporâneas dentro da teoria econômica do socialismo que agora serão discutidas: a alternativa da alocação direta e a do planejamento participativo.

Contendores contemporâneos: cálculo direto dos valores trabalho

Embora OskarLange, em seu célebre modelo de 1938, tenha empregado um falso mercado, na forma de um computador descentralizado, para resolver o problema de alocar bens de capital, em 1967, publicou uma contribuição ao Festschrift de Dobb, na qual argumentou que o computador eletrônico moderno poderia ser um substituto melhor do mercado.3 Lange afirma, então, que o seu seminal modelo de socialismo de mercado havia sido superado por desenvolvimentos teóricos e técnicos subsequentes. Os dois modelos modernos mais proeminentes de cálculo direto são os de Cockshott e Cottrill e de Albert e Hahnel.

Cockshott e Cottrill levaram ao limite as possibilidades oferecidas pela tecnologia da informática para resolver o problema clássico da alocação direta dos recursos produtivos da sociedade de acordo com um conjunto democraticamente determinado de objetivos e de prioridades. Eles contrariaram o argumento aparentemente conclusivo de Alec Nove segundo o qual o cálculo envolvido na solução de um sistema matemático de entradas e saídas para uma economia moderna complexa seria impossível.4 Segundo os cálculos feitos, numa economia que consiste em um milhão de produtos distintos, um computador capaz de executar aproximadamente 200 milhões de operações por segundo, usando o método padrão de resolução de equações simultâneas, levariam 16.000 anos para calcular os valores trabalho de cada produto. Entretanto, como se sabe agora, usando um método de aproximação sucessiva, um computador da época forneceria uma solução correta, com quatro dígitos decimais de aproximação, em poucos minutos – ora, os computadores modernos operam ainda mais rapidamente.5

Cockshott e Cottrill desenvolveram, então, um algoritmo descentralizado para calcular e revisar o conteúdo em trabalho (direto e indireto) relativo a cada produto da economia. Eles defenderam a ideia de que um quase-mercado que opera com a diferença entre o conteúdo calculado em trabalho de cada produto e os cupons em trabalho que as pessoas estão dispostas a trocar pelos produtos fornece aos planejadores centrais informações com base nas quais eles podem ajustar as instruções de produção que devem ser emitidas aos produtores. No entanto, as informações que os planejadores centrais precisariam ter para fazer o sistema funcionar incluem “listas dos produtos que estão sendo produzidos... atualizações regulares sobre a tecnologia usada em cada processo de produção... os estoques disponíveis de cada tipo de matériaprima e cada modelo de máquina”; além disso, “com base em uma avaliação central das diferentes tecnologias de produção, o sistema de planejamento teria de escolher a intensidade mediante a qual cada tecnologia teria de ser usada”. 6

É assim que o modelo de Cockshott e Cottrill efetivamente descarta o argumento de que o cálculo direto é praticamente impossível. E, note-se, é disto que depende a plausibilidade da defesa feita por Nove do socialismo de mercado como a única forma “factível” de socialismo. Entretanto, tal raciocínio é feito com base no pressuposto epistemológico da teoria neoclássica; ademais, em nenhum lugar, são abordadas as questões da descoberta e do empreendedorismo.

Já Michael Albert e Robin Hahnel defendem o seu modelo de “economia participativa” partindo da seguinte pergunta:

Por que os trabalhadores de diferentes empresas e indústrias, assim como os consumidores de diferentes bairros e regiões, não podem coordenar os seus próprios esforços conjuntos de modo consciente, democraticamente e de maneira eficiente? (...) O que seria impossível em um procedimento de planejamento social, iterativo, em que trabalhadores e consumidores propõem e revisam as suas próprias atividades e decisões à luz de informações precisas sobre o que é eficiente e o que é justo?7 

A abordagem desses dois autores baseia-se em um procedimento de planejamento descentralizado e iterativo, por meio do qual conselhos de trabalhadores e conselhos de consumidores buscam alcançar o equilíbrio. Os conselhos de trabalhadores tomam decisões por meio de procedimentos de votação democrática; são organizados com base em “complexos balanceados de empregos”, os quais determinam que as pessoas devem realizar, rotativamente, uma sequência de tarefas durante certos períodos que sejam considerados razoáveis. Visa-se, assim, combinar os diferentes tipos de trabalho nas proporções em que é requerido serem eles realizados nas empresas e na sociedade como um todo. Eles são solicitados a maximizar as funções de utilidade de seus membros, levando em conta as condições objetivas de suas atividades e sujeitos à restrição de que sua contribuição para a produção deve exceder os custos sociais em que incorrem ao produzi-la. Da mesma forma, os conselhos de consumidores, nos quais as pessoas indicam seus pedidos de consumo de bens pessoais e públicos, são solicitados a elaborar as suas propostas de consumo para maximizar as funções de utilidade de seus membros, sujeito a uma restrição orçamentária.

O processo de alocação é feito por meio de conselhos de consumidores e de trabalhadores, os quais propõem e revisam as suas próprias atividades. Antes de iniciar essas atividades, os preços são ajustados de forma automatizada de acordo com os excessos de oferta e de demanda observados; o sistema funciona, pois, com base em um mecanismo que atualiza os sinais de preços. Assim, o modelo replica o procedimento iterativo de Lange – em sua versão ex-ante ao invés de ex-post – com duas novas dimensões: procura garantir um processo participativo de tomada de decisões ao propor que os conselhos de trabalhadores e consumidores determinam as suas próprias atividades; busca consolidar relações de produção não hierárquicas que promovam a equidade e a participação por meio instituição dos “complexos balanceados de empregos”.

Albert e Hahnel concentram-se no uso da capacidade existente, levando em conta tanto a questão “eficiência” quanto as considerações sociais mais amplas; não discutem, porém, a questão do investimento.8 O modelo de Cockshott e Cottrill trata formalmente o investimento, mas apenas sob o pressuposto neoclássico de que existe um conhecimento completo de todas as funções de produção. Nenhum modelo inspirado na teoria neoclássica aborda explicitamente as questões da descoberta e do empreendedorismo. Além disso, em adendos de cunho político, ambos rejeitam a democracia representativa, optando por vários procedimentos de pesquisa direta e de referendos, sem contemplar a interação e a negociação social frente a frente.

Assim, os modelos baseados no cálculo direto são capazes de lidar com o problema da determinação dos valores, mas não com o problema real da descoberta que aparece de fato nas economias reais. Eles operam dentro do paradigma epistemológico neoclássico em que o conhecimento é assumido como dado, objetiva e prontamente codificado para ser transmitido. Apesar de serem capazes, em princípio, de lidar com as imperfeições do conhecimento decorrentes da tomada de decisão atomizada, são incapazes de lidar com as imperfeições apontadas pelo paradigma epistemológico austríaco, no qual o conhecimento é tácito e tem que ser descoberto por meio do próprio processo por meio do qual a própria sociedade se move.

Contendentes contemporâneos: planejamento participativo

Os modelos de socialismo de mercado e os modelos baseados no cálculo direto, mesmo se são internamente coerentes, são construídos, essencialmente, dentro do paradigma neoclássico. Os modelos austríacos de socialismo de mercado, como já foi visto, são incoerentes ou acabam reproduzindo efetivamente um sistema baseado na propriedade privada capitalista. Além disso, a escola austríaca rejeita, em princípio, a possibilidade de lidar com as imperfeições do conhecimento que surgem da tomada de decisão atomizada.

Os autores deste texto defendem um sistema de planejamento participativo e, assim, propõem, para discussão, uma terceira alternativa contemporânea no interior da teoria econômica do socialismo. Argumenta-se nessa perspectiva que é necessário fazer uma mudança de paradigma no modo como as interações econômicas são conceituadas a fim de superar as duas fontes de imperfeição do conhecimento identificadas na avaliação anterior do debate do cálculo econômico socialista.

O sistema de planejamento participativo preconizado é aquele em que os valores sociais mantidos pelos indivíduos e pelos coletivos interagem e se moldam mutuamente por meio de um processo de cooperação e de negociação. Tal processo, afirma-se, permitiria que o conhecimento tácito fosse articulado e a vida econômica fosse conscientemente controlada e coordenada em um contexto que dispensa a coerção, seja aquela feita pelo Estado seja aquela posta pelas forças do mercado. Assim, o dilema apresentado por Alec Nove – como se sabe, ele afirmou que existem apenas duas dimensões nos arranjos sociais: “ou existem ligações horizontais (de mercado) ou existem ligações verticais (de hierarquia). Que outra dimensão existe? ”9 – pode ser transcendido.

As premissas da mudança de paradigma subjacente ao modelo de planejamento participativo precisam de atenção cuidadosa. A alegação austríaca é de que apenas os empresários que tomam decisões sobre o uso do capital privado têm acesso ao conhecimento tácito e, assim, ao incentivo, necessários à ação que leva à sua descoberta. A abordagem de planejamento participativo afirma que as pessoas em geral têm acesso ao conhecimento tácito e que elas podem descobrir e articular esse conhecimento, desde que estejam equipadas com a capacidade de analisar e avaliar as consequências de suas decisões. Assim, a participação generalizada na tomada de decisões permitiria a mobilização social do conhecimento tácito das pessoas em geral, em vez de confinar o processo de descoberta ao pequeno subconjunto de pessoas que têm acesso ao capital privado em uma economia capitalista.

Trocas de mercado e forças de mercado

Embora as formas participativas de organização econômica tenham uma longa história, a modelagem de uma possível economia socialista com base em planejamento participativo é relativamente nova.10 Um dos autores deste escrito, Pat Devine, desenvolveu um modelo em que a base da organização econômica é um processo de “coordenação negociada”. Esta última ocorre entre os representantes dos afetados pelas decisões envolvidas e é informada pela discussão participativa dos múltiplos interesses afetados. 11 No modelo de Devine, a distinção entre “mercado de troca” e “forças de mercado” é de crucial importância:

A troca de mercado envolve transações entre compradores e vendedores; ora, aquilo que é trocado consiste em estoques (inventários) ou bens e serviços produzidos por empresas que empregam a sua capacidade de produção já existente. As forças de mercado referem-se ao processo pelo qual as mudanças são realizadas na alocação de recursos. Elas atuam para decidir o tamanho relativo das diferentes indústrias e a distribuição geográfica da atividade econômica. Operam por meio da interação das decisões sobre investimento e desinvestimento que são tomadas independentemente uma da outra, de tal modo que a coordenação ocorre ex-post.12 

O processo de coordenação negociada é aquele em que a informação gerada pelas trocas de mercado sobre a rentabilidade das diferentes atividades não é rejeitada, mas usada de forma cooperativa e coordenada, em conjunto com outras informações quantitativas e qualitativas, para decidir o padrão de investimento. Assim, a troca de mercado coordena o uso da capacidade produtiva existente, mas as mudanças na estrutura da capacidade produtiva são negociadas e coordenadas ex-ante pelos afetados por elas. Consequentemente:

O modelo combina o planejamento com a descentralização, sem depender das forças do mercado. A alocação global de recursos é planejada no nível da sociedade como um todo. O grande investimento é coordenado centralmente, mas implementado de forma descentralizada. As unidades de produção sabem o que produzir com a capacidade existente para atender à demanda coletiva e individualmente determinada da sociedade. Mudanças na capacidade das unidades de produção são decididas nos órgãos de coordenação negociados pelos afetados por elas. O interesse social é definido em cada caso pelos interesses gerais e específicos envolvidos. As unidades de produção estão sob escrutínio público, o que as encoraja a operar eficientemente. Como as pessoas participam em todos os níveis das decisões econômicas que as afetam, elas provavelmente estarão comprometidas com a implementação efetiva dessas decisões.13 

Para Devine propriedade social é aquela que é detida por aqueles afetados pelo uso dos ativos em questão. Assim, em seu modelo, as empresas são de propriedade de seus trabalhadores, clientes, fornecedores, comunidades e regiões nas quais estão ocalizadas. Os interesses mais geraissão representados pela comissão de planejamento regional, nacional ou global, dependendo do alcance geográfico de suas operações, assim como de certos grupos com interesses especiais, tais como aqueles preocupados com o meio ambiente ou com a igualdade de oportunidades.14 Os preços seriam iguais aos custos médios de longo prazo, os quais dependeriam dos custos de mão-de-obra, dos insumos comprados, de uma taxa de depreciação, assim como um taxa de retorno do capital, sendo esta última determinada centralmente. As empresas competiriam por clientes, engajando-se em troca de mercado e gerando informações sobre a eficácia com que estão usando seus ativos:

Não haveria nenhuma tentativa de coordenar as transações ex-ante entre produtores e consumidores. O nível da capacidade de produção e a relação entre o nível dos pedidos e os estoques existentes em um setor da indústria como um todo indicariam se essa capacidade agregada precisa de expansão ou de contratação. Assim, a necessidade de mudanças na capacidade de produção de uma empresa específica surgiria como resultado de seu desempenho em relação ao das outras do seu setor e/ou como resultado de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda agregada setorial. 15 

As mudanças na capacidade de produção seriam decididas por órgãos de coordenação que trabalhariam com base em negociação; eles seriam compostos por representantes dos proprietários sociais do ramo industrial em consideração, ou seja, das empresas do setor, das indústrias fornecedoras e dos clientes, assim como de membros da comissão de planejamento regional, nacional ou global relevantes; outros grupos com interesse legítimos no conjunto de decisões em questão poderiam também fazer parte de tais órgãos. Os organismos de coordenação por meio de negociação

teriam à sua disposição três tipos de informações quantitativas: primeiro, os dados contábeis sobre o desempenho de cada empresa, gerados pelo uso de sua capacidade existente (ou seja, por meio das trocas de mercado); segundo, as estimativas de mudanças esperadas na demanda ou nos custos em relação às atividades existentes; terceiro, as estimativas da demanda e os custos esperados em relação a inovações potenciais de produto ou processo. Eles também teriam acesso a dois tipos de informações qualitativas, fornecidas pelos representantes dos diferentes interesses que participam do processo de negociação: primeiro, os julgamentos sobre as razões subjacentes a qualquer desempenho diferenciado das empresas; segundo, os pontos de vista das pessoas afetadas sobre a situação econômica e social que prevalece nas comunidades e regiões nas quais o investimento ou o desinvestimento pode ocorrer, as prioridades de distribuição regional acordadas por meio do processo político democrático e as preocupações de outros interesses representados.16 

O modelo de planejamento participativo de Devine incorpora a troca de mercado, mas não as forças de mercado. Eis que as decisões de investimento interdependentes são tomadas por representantes de todas as pessoas afetadas por elas. Uma vez que a utilização da capacidade existente é decidida por empresas que realizam intercâmbios no mercado de forma descentralizada, o perigo de sobrecarga administrativa é minimizado.17 Assim, as decisões com alcance global, como aquelas relacionadas à redistribuição internacional da riqueza efetiva, ao padrão global da atividade econômica ou das atividades que têm consequências ecológicas globais, seriam negociadas em nível global.

Em geral, no entanto, o princípio de subsidiariedade seria aplicado para assegurar que as decisões fossem negociadas no nível mais local, de tal modo que venham a ser consistentes com a participação de representantes de todos os principais interesses afetados. Como o processo de negociação seria contínuo, os envolvidos descobririam o conhecimento tácito necessário, ou seja, descobririam o que é possível e o que não é possível fazer e, portanto, seriam capazes de avaliar suas decisões passadas e de aprender com elas. Consequentemente

enquanto decisões interdependentes seriam coordenadas de modo exante sempre que possível, por meio de um processo de negociação que permite a descoberta e o aprendizado antes que os recursos fossem comprometidos, a implementação resultaria em novas descobertas e aprendizados ex-post que possibilitariam correção subsequente na próxima rodada de tomada de decisão. No entanto, esses processos integrados de tomada de decisão ex-ante e ex-post seriam baseados em negociação cooperativa, em vez de coerção ou competição.18 

Em resumo, o modelo de Devine dá grande importância à negociação e à interação, enfatizando o aspecto transformativo da participação. Procura promover a cooperação e o reconhecimento do interesse comum interdependente. Reconhece, ao mesmo tempo, que as pessoas têm interesses distintos e que estes precisam poder se manifestar no debate público; as pessoas, por sua vez, têm de poder articular e argumentar num contexto social que também incentiva o reconhecimento e o respeito pelos interesses dos outros.

Conclusões

A experiência histórica e teórica do século XX no tange às tentativas de construir ou de modelar sistemas econômicos socialistas têm sido variadas e ricas, mas prima facie desanimadoras. Tentamos tirar aqui algumas conclusões dessa experiência para informar a discussão contemporânea no campo da teoria econômica do socialismo. Modelos de uma economia socialista precisam ser capazes de lidar com os problemas do cálculo, da motivação e da descoberta; eles precisam abordar as imperfeições do conhecimento associadas tanto à natureza tácita do conhecimento quanto à tomada de decisão atomizada provindas das forças do mercado. Os três candidatos contemporâneos são o socialismo de mercado, aquele que propõe o cálculo direto dos valores de troca e aquele baseado no planejamento participativo.

Os modelos socialistas de mercado são de dois tipos: neoclássico e austríaco. Os modelos neoclássicos são basicamente estáticos e estão preocupados com as questões de incentivos e monitoramento. Eles são capazes de lidar com os problemas do cálculo e da motivação, mas não com os problemas da descoberta e do empreendedorismo. Os poucos modelos que discutem a questão do investimento assumem certeza ou o equivalente à certeza (risco). Os modelos neoclássicos não reconhecem a natureza tácita do conhecimento e são incapazes de lidar com a incerteza real. Tal como o paradigma neoclássico como um todo, eles não têm nada a nos dizer sobre as maneiras pelas quais as economias de mercado capitalistas realmente funcionam ou as economias de mercado socialistas podem funcionar.

Os modelos austríacos de socialismo de mercado procuram abordar os problemas de descoberta e empreendedorismo, bem como os do cálculo e dos incentivos. No entanto, eles são incoerentes já que imitam fortemente o capitalismo; eis que se baseiam, de fato, na propriedade privada. Além disso, embora possam ser capazes de lidar com o problema da mobilização do conhecimento tácito, eles são, por definição, incapazes de lidar com as imperfeições do conhecimento associadas à tomada de decisão atomizada. Assim, não incorporam o planejamento econômico, no sentido de uma coordenação ex-ante dos investimentos interdependentes mais importantes.

Os modelos de cálculo direto são capazes de resolver o problema formal do cálculo. Eis que os computadores modernos abriram espaço para os argumentos tecnocráticos que julgam poder dar conta da coleta e do processamento das informações econômicas. No entanto, esses modelos são incapazes de lidar com as questões do conhecimento tácito, da descoberta e do empreendedorismo. Para lidar com o investimento, eles têm que assumir que o conhecimento é certo ou pode ser reduzido ao probabilístico, de tal modo que a estrutura analítica desses modelos é essencialmente a mesma que a do paradigma neoclássico.

Se esta avaliação estiver correta, o planejamento participativo oferece a direção mais promissora para um trabalho futuro que faça progredir a teoria econômica do socialismo. É capaz de lidar com o problema de cálculo usando as informações quantitativas geradas por troca real de mercado e as informações qualitativas fornecidas por pessoas mais próximas e mais afetadas pelas decisões econômicas. Como o grande investimento não é realizado com base em decisões atomizadas, ele pode ser coordenado ex-ante.

Ao mesmo tempo, a natureza tácita do conhecimento é reconhecida. Um processo social de descoberta e mobilização por meio da participação generalizada e da coordenação negociada está no cerne do planejamento participativo. Assim, as imperfeições do conhecimento que surgem do conhecimento tácito e da tomada de decisão atomizada podem ser devidamente tratadas. O planejamento participativo é o único dos três modelos, candidatos contemporâneos à proeminência enquanto modelos de socialismo, que é capaz de resolver essa última questão.

Por que, então, o socialismo de mercado é tão predominante nas discussões contemporâneas da economia do socialismo? Uma explicação vem do fracasso da experiência do planejamento central no estilo soviético. Outro é o fascínio exercido pelo paradigma neoclássico – e um certo capital intelectual nele investido – que caracteriza a maioria dos economistas e até mesmo dos economistas socialistas.

No entanto, há uma terceira razão e ela talvez seja, em última análise, a mais reveladora. Modelos de cálculo direto e de planejamento participativo baseiam-se no pressuposto socialista tradicional de que as pessoas têm capacidade de reconhecer os seus próprios interesses, assim como os das outras, porque, em geral, eles são interdependentes. As pessoas, por isso, não estão preocupados apenas com os seus próprios, mas também com o bem geral. Os socialistas de mercado perderam a fé nessa suposição. De fato, muitos a considerariam perigosa, interpretando-a como uma crença na perfectibilidade dos seres humanos, com o corolário de que ela poderia ser usada para justificar a engenharia social. Com essa crença, os socialistas de mercado projetam seus modelos para lidar com os problemas de incentivo e monitoramento que surgem no contexto do comportamento oportunista, voltado para o interesse próprio característico do “gerente egoísta, do planejador e do diretor de qualquer banco público". 19

Nossa defesa do planejamento participativo, em contraste, baseia-se na insistência de que o socialismo deve ter uma dinâmica transformadora. Afinal de contas, Marx poderia estar certo quando esperava que o socialismo fosse criado com base no mais alto nível de desenvolvimento alcançado pelo capitalismo. Podemos hoje acrescentar que isso não significa apenas um alto nível de produtividade do trabalho, mas também um grau elevado de envolvimento na auto-organização, nas instituições da sociedade civil, nos processos democráticos participativos.

É por isso que a evolução em direção à política e à economia participativa deve envolver a abolição da divisão social do trabalho e a transformação da sociedade baseada na dominação de uma classe dominante, fundada esteja na propriedade privada ou na posição institucional na burocracia estatal, em outra que seja uma sociedade autogovernada, em que as pessoas, no decorrer de suas vidas, assumem sua parte justa no negócio de administrar as coisas, seja no nível micro, no nível macro ou em ambos.20 Não surpreende, pois, que a teoria econômica do socialismo esteja inseparavelmente ligada à teoria política do socialismo.

Notas:

1 Uma contribuição anterior se encontra em R. Blackburn, Fin de Siècle: Socialism After the Crash, New Left Review, 185, Jan.–Fev. 1991, pp. 5–66. 

2 Para tomar contato com uma versão moderna do argumento de que a propriedade privada e as forças de mercados se implicam mutuamente, veja-se J. Kornai, ‘The Affinity Between Ownership Forms and Coordination Mechanisms: The Common Experience of Reform in Socialist Countries’, Journal of Economic Perspectives, 1990.

3 Para tomar contato com discussões complementares ao argumento deste artigo, veja-se Pat Devine, Democracy and Economic Planning, Cambridge 1988; F. Adaman, A Critical Evaluation of the Economic Calculation Debate with Special Reference to Maurice Dobb’s Contribution, tese de PhD, University of Manchester 1992; P. Devine, Market Socialism or Participatory Planning?, Review of Radical Political Economics, 1992; F. Adaman and P. Devine, Socialist Renewal: Lessons from the Calculation Debate, Studies in Political Economy, 1994; e F. Adaman and P. Devine, The Economic Calculation Debate: Lessons for Socialists, Cambridge Journal of Economics, 1996.

4 Veja Friedrich Hayek, The Fatal Conceit, London 1988, p. 7.

5 Enrico Barone, The Ministry of Production in the Collectivist State, in F. Hayek, ed., Collectivist Economic Planning, London 1935; A. Bergson, Socialism, in H. Ellis, ed., A Survey of Contemporary Economics, New York, 1948.

6 Israel Kirzner, The Economic Calculation Debate: Lessons for Austrians, Review of Austrian Economics, 1988.

7 Ludwin Mises, ‘Economic Calculation in the Socialist Commonwealth’, 1920, in Hayek, Collectivist Economic Planning.

8 Barone, The Ministry of Production in the Collectivist State.

9 F. Hayek, The Nature and History of the Problem and The Present State of the Debate, in Hayek, Collectivist Economic Planning.

10 O. Lange, On the Economic Theory of Socialism, in B. Lippincott, ed., On the Economic Theory of Socialism, Minneapolis, 1938. Veja também F. Taylor, The Guidance of Production in a Socialist State, 1929, no mesmo volume; H. Dickenson, Price Formation in a Socialist Community, The Economic Journal, 1933; A. Lerner, Economic Theory and Socialist Economy, Review of Economic Studies, 1934.

11 O fato de que os preços sejam alterados com base nos movimentos dos níveis reais de estoque significa que a economia é coordenada ex-post. Ora, isto pode trazer ineficiências em um contexto neoclássico. Arrow e Hurwicz posteriormente aperfeiçoaram o modelo de Lange ao projetar um mecanismo de coordenação ex-ante no qual a troca de informações entre o departamento de planejamento e as empresas ocorre antes que o plano seja implementado. Veja K. Arrow e L. Hurwicz, Decentralization and computation in resource allocation, 1960, Arrow and Hurwicz, eds, Studies in Resource Allocation, Cambridge, 1977.

12 F. Hayek, Economics and Knowledge, 1937, and Socialist Calculation: The Competitive “Solution” , 1940, in Hayek, ed., Individualism and Economic Order, London 1949. 5

13 See, for instance, J. Ledyard, ‘Incentive Compatibility’, The New Palgrave: A Dictionary of Economics, London 1987.

14 J. Stiglitz, ‘Credit Markets and the Control of Capital’, Journal of Money, Credit and Banking, 1985, p. 136.

15 Veja-se, por exemplo, F. Scherer, Corporate Takeovers: The Efficiency Arguments, Journal of Economic Perspectives, 1988.

16 See P. Bardhan and J. Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, Journal of Economic Perspectives, 1992. Este ponto, note-se aqui, será discutido melhor a frente.

17 D. Lavoie, Rivalry and Central Planning, Cambridge, 1985.

18 F. Hayek, The Uses of Knowledge in Society, 1945, Hayek, Individualism and Economic Order, p. 77.

19 Veja uma exposição geral em A. Schand, Free Market Morality: The Political Economy of the Austrian School, London 1989.

20 P. McNulty, Competition: Austrian Conceptions, The New Palgrave. Note-se que, em muitos aspectos de seus trabalhos, Schumpeter não pode ser considerado um membro da Escola Austríaca.

21 D. Lavoie, Computation, Incentives, and Discovery: The Cognitive Function of Markets in Market Socialism, in J. Prybyla, ed., Privatizing and Marketizing Socialism, Annals of the American Academy of Political and Social Science, London 1990.

22 Ibid., p. 78.

23 Kornai, The Affinity Between Ownership Forms and Coordination Mechanisms.

24 Observe que este “em grande parte inexplorado” não deve ser interpretado como “intocado”. Até mesmo os primeiros austríacos reconheceram o problema do capitalismo corporativo, mas simplesmente o ignoraram argumentando que os acionistas, animados pelo lucro, de alguma forma garantiriam que "empresários corporativos" agiriam no interesse dos acionistas. Como ficou claro acima na discussão do problema “agente e principal”, esta é uma suposição bastante ingênua.

25 M. Dobb, Economic Theory and the Problems of a Socialist Economy, The Economic Journal, 1933.

26 M. Dobb, Political Economy and Capitalism, London 1937, p. 279. 10

27 Ibid., p. 274.


1 M. Dobb, Economic Theory and Socialist Economy: A Reply, Review of Economic Studies, 1935, p. 535.

2 I. Kirzner, Competition and Entrepreneurship, Chicago 1973, p. 232.

3 Cuidado é necessário aqui. A abordagem neoclássica foi além da suposição de livro-texto de informação perfeita, igualmente disponível para todos. Muitas análises neoclássicas modernas estão relacionadas a situações em que a informação é distribuída assimetricamente. A informação é entendida como uma mercadoria que pode ser adquirida a um custo. O preço que as pessoas estão dispostas a pagar para obter uma certa quantidade de informação depende da satisfação que ela produzirá. À primeira vista, esta abordagem parece responder à crítica da escola austríaca. No entanto, como uma pessoa pode conhecer a satisfação que será obtida de uma informação? Um indivíduo só pode saber se a informação em si existe objetivamente e eles sabem disso com antecedência. No entanto, o verdadeiro problema colocado pela escola austríaca não é como obter informações já conhecidas, mas como descobrir o conhecimento tácito de que não há consciência pré-existente. Assim, o conceito dos neoclássicos de informação distribuída assimetricamente é categoricamente diferente do conhecimento tácito dos austríacos; o primeiro é conhecimento objetivado, este último está sujeito a um processo de descoberta e aprendizado. Veja S. Ioannides, The Market, Competition and Democracy: A Critique of Neo-Austrian Economics, Hants. 1992.

4 Nenhum dos modelos que designamos como austríaco realmente querem se afigurar como tais. Nossa classificação é baseada na questão de saber se reconhecem ou não as questões de descoberta e empreendedorismo e incorporam processos institucionais para lidar com eles.

5 A. Nove, The Economics of Feasible Socialism, London 1983.

6 A experiência histórica mais relevante é a da Hungria com o seu “novo mecanismo econômico”, introduzido em 1968; veja J. Kornai, ‘The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality’, Journal of Economic Literature, 1986.

7 P. Bardhan and J. Roemer, Introduction, P. Bardhan e J. Roemer, eds, Market Socialism, New York 1993, p. 7. Stiglitz argumentou recentemente que os modelos de equilíbrio geral walrasiano e neoclássico são fatalmente defeituosos devido à sua incapacidade de lidar com situações caracterizadas por várias formas de informação imperfeita e estendeu essa crítica a modelos socialistas de mercado do tipo Lange, veja J. Stiglitz, Market Socialism and Neoclassical Economics, Bardhan and Roemer, Market Socialism. Roemer respondeu argumentando que a crítica de Stiglitz não se aplica ao socialismo de mercado de quinta geração, veja J. Roemer, An Anti-Hayekian Manifesto, New Left Review, 211, pp. 112–29. Concordamos com Roemer – e com efeito Stiglitz, embora ele não o diga explicitamente – que qualquer arranjo institucional concebido dentro do paradigma neoclássico para tratar os problemas decorrentes de conhecimento imperfeito em uma economia de mercado pode ser adaptado de forma igualmente eficaz a uma economia capitalista baseada em propriedade privada ou uma economia socialista de mercado baseada na propriedade não privada. No entanto, esses desenvolvimentos dentro do paradigma neoclássico, analisando a troca voluntária com base no comportamento maximizador, não abordam o desafio austríaco subjacente, com base na posição epistemológica distinta daquela escola. Para poder engajar-se na maximização do comportamento, os agentes econômicos devem saber qual será o resultado dos cursos alternativos de ação e como cada resultado afetará sua utilidade. É precisamente a possibilidade de possuir tal conhecimento que os austríacos disputam. Para eles, o conhecimento precisa ser descoberto por meio da ação. Veja-se a nota de número 30 no artigo de Ioannides, The Market, Competition and Democracy.

8 "A aparência do gerente egoísta, do planejador e do diretor do banco público está associada à visão, na argumentação da quinta geração, de que apenas um diretor que está prestes a realizar um grande ganho monetário monitorará adequadamente o seu agente", Bardhan and Roemer, Introduction, Market Socialism, p. 8.

9 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation; Bardhan, On Tackling the Soft Budget Constraint in Market Socialism’, Bardhan e Roemer, Market Socialism; Roemer, Can There Be Socialism After Communism?, no mesmo volume; Roemer, A Future for Socialism, London 1994. Veja-se também o número especial de Politics and Society, Dezembro, 1994. Embora na Introdução ao Market Socialism, os autores se refiram à primeira escola austríaca, as discussões feitas estão inteiramente dentro do arcabouço neoclássico e se preocupam apenas com os problemas do cálculo e da motivação. Não há qualquer referência à escola austríaca moderna nem ao problema da descoberta. Isso é verdade em A Future for Socialism de Roemer e em seu An Anti-Hayekian Manifesto. Estamos, pois, bem confiantes em afirmar que o modelo de Roemer cai claramente na categoria de neoclássico.

10 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, p. 109.

11 Ibid.

12 Bardhan, On Tackling the Soft Budget Constraint in Market Socialism, p. 148.

13 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, p. 110.

14 Roemer, A Future for Socialism, p. 81.

15 As duas principais ineficiências identificadas são uma redução na produção de curto prazo em resposta a um aumento de preço e um grau sub-ótimo de intensidade de capital. Para uma pesquisa abrangente, veja-se J. Bonin and L. Putterman, Economics of Cooperation and the Labor-Managed Economy, New York, 1987.

16 See M. Sertel, Workers and Incentives, Amsterdam, 1982; M. Sertel, Workers Enterprises Are Not Perverse, European Economic Review, 1987; P. Kleindorfer and M. Sertel, The Economics of Workers Enterprises, D. Bös, ed., Public Policy and Economic Organization, London 1994.

17 M. Fleurbaey, Economic Democracy and Equality: A Proposal, in Bardhan and Roemer, Market Socialism.

18 T. Weisskopf, A Democratic Enterprise-Based Market Socialism, Bardhan and Roemer, Market Socialism p. 134; “critério de eficiência convencional” significa um ótimo de Pareto, tal como foi antes aqui definido.

19 Veja-se J. Barsony, Tidor Liska’s Concept of Socialist Entrepreneurship, Acta Oeconomica, 1982.

20 Tornou-se convencional distinguir entre certeza, risco e incerteza. O risco é uma situação na qual todos os resultados possíveis e suas probabilidades de ocorrência são conhecidos. Isso possibilita calcular um "valor esperado" de um curso de ação que pode ser maximizado como se fosse conhecido. A incerteza, ao contrário, é uma situação na qual nem todos os resultados possíveis nem suas probabilidades de ocorrência são conhecidos – simplesmente não sabemos, mas mesmo assim é preciso de acordo com a situação encontrada.

21 W. Brus and K. Laski, From Marx to the Market, Oxford 1989, pp. 105, 132.

22 Ibid., p. 149.

23 S. Estrin, Workers Cooperatives: Their Merits and Their Limitations, J. Le Grand and S. Estrin, eds, Market Socialism, Oxford, 1989.

24 D. Schweickart, ‘Economic Democracy: A Worthy Socialism That Would Really Work’, Science and Society, 1992, p. 28.

25 Veja-se, por exemplo, J. Roemer, The Possibility of Market Socialism, in D. Copp, J. Hampton and J. Roemer, eds, The Idea of Democracy, Cambridge 1993.

26 I. Ortuno-Ortin, J. Roemer, and J. Silvestre, Investment Planning in Market Socialism, in S. Bowles, H. Gintis, and B. Gustafsson, eds, Markets and Democracy: Participation, Accountability and Efficiency, Cambridge, 1993.

27 Efetivamente, este é o mesmo sistema defendido por Brus num primeiro modelo de socialismo de mercado; veja-se W. Brus, The Market in a Socialist Economy, London 1972.

28 J. Roemer and J. Silvestre, Investment Policy and Market Socialism, Bardhan and Roemer, Market Socialism, p. 109. Este capítulo citado é um sumário do modelo completo; veja-se Ortuno-Ortin, Roemer, and Silvestre, Investment Planning in Market Socialism.

29 Veja-se S. Estrin and D. Winter, Planning in a Market Socialist Economy, Le Grand and Estrin, Market Socialism; e Schweickart, Economic Democracy. Miller também propôs um modelo que busca levar em conta considerações sociais mais amplas essencialmente da mesma maneira que Schweickart. Em seu modelo, as cooperativas de trabalhadores obtêm capital de agências de investimento que equilibram a rentabilidade esperada em relação às necessidades de emprego, ambientais e outras necessidades da comunidade; veja-se D. Miller, Market, State, and Community, Oxford 1989.

30 D. Elson, Market Socialism or the Socialization of the Market?, New Left Review, 172, Nov.-dez., 1988, p. 33. Veja-se também H. Breitenbach, T. Burden, e D. Coates, Features of a Viable Socialism, Hemel Hempstead, 1990.


1 Kornai chama a atenção para essencialmente o mesmo argumento em suas reflexões sobre o funcionamento do novo mecanismo econômico húngaro; veja-se J. Kornai, The Dilemmas of a Socialist Economy: The Hungarian Experience, Cambridge Journal of Economics, 1980.

2 Elson concordou em conversa privada que, no final, as empresas em seu modelo são totalmente autônomas e tomam suas próprias decisões. Assim, o complexo conjunto de instituições destinadas a facilitar a troca de informações pode ser pensado como uma forma desenvolvida de planejamento indicativo. Para uma discussão detalhada do modelo de Elson veja-se Devine, Market Socialism or Participatory Planning?

3 O. Lange, ‘The Computer and the Market’, in C. Feinstein, ed., Socialism, Capitalism and Economic Growth, Cambridge 1967.

4 Nove, The Economics of Feasible Socialism.

5 W. Cockshott and A. Cottrill, Towards a New Socialism, Nottingham, 1993.

6 Ibid., pp. 127, 131.

7 M. Albert and R. Hahnel, The Political Economy of Participatory Economics, Princeton, 1991, p. 8.

8 Isto é certamente verdade com relação ao modelo formal deles, o qualse encontra no artigo The Political Economy of Participatory Economics. Há algumas indicações que as decisões de investimento aproximasse daquela encontra na versão popular, mas ela está aí resumida; veja-se M. Albert and R. Hahnel, Looking Forward, Boston, 1991.

9 Nove, The Economics of Feasible Socialism, p. 226.

10 Esta afirmação não deve ser interpretada, no entanto, como se dissesse que até recentemente esforços para modelar economias participativas estavam totalmente ausentes. O movimento sindicalista do tipo socialista das décadas de 1920 e 1930, que defendia o autogoverno não apenas no local de trabalho – e, ademais, organizado com base em associações –, mas se estendendo para toda a sociedade, pode certamente ser categorizado como uma importante tentativa pioneira; veja-se G.D.H. Cole, Guild Socialism Restated, London 1920. Uma linha similar de raciocínio foi desenvolvida por Karl Polanyi; para tomar ciência de uma discussão sobre esse tema, veja-se P. Rosner, Karl Polanyi on Socialist Accounting, in K. Polanyi-Levitt, ed., The Life and Work of Karl Polanyi, Montreal 1990.

11 Devine, Democracy and Economic Planning.

12 Devine, Market Socialism or Participatory Planning?, pp. 79–80.

13 Devine, Democracy and Economic Planning, p. 197.

14 A produção local em pequena escala, empreendida com base no trabalho autônomo, requer, obviamente, arranjos diferentes; veja ibid., pp. 229-30.

15 Adaman and Devine, ‘The Economic Calculation Debate’.

16 Ibid.

17 Foi o fracasso em apreciar a distinção entre troca de mercado e forças de mercado que levaram Blackburn em Fin de Siècle: Socialism After the Crash a desenvolver uma crítica ao modelo proposto baseada nesse equívoco fundamental. Para uma resposta detalhada à crítica de Blackburn, veja-se Devine, Market Socialism or Participatory Planning?

18 Adaman and Devine, The Economic Calculation Debate.

19 Bardhan and Roemer, Market Socialism, p. 8.

20 Veja-se P. Devine, Democracy and Economic Planning; and P. Devine, Socialism as Social Transformation, em M. Cagnani and A. Salsano, eds, Essays in Societal Alternatives: The Milano Papers, Montreal.

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...