1 de novembro de 2002

O redescobrimento do imperialismo

Este texto foi originalmente escrito como introdução aos Ensaios sobre o imperialismo e a globalização, de Harry Magdoff, que deverá ser publicado na Índia pela Cornerstone Publications.

John Bellamy Foster

Monthly Review


Tradução / Durante quase todo o século XX, o conceito de “imperialismo” foi excluído do conjunto dos discursos políticos aceitáveis para os círculos dominantes do mundo capitalista. Qualquer referência ao “imperialismo” durante a Guerra do Vietnã, sem importar quão realista fosse, quase sempre era tida como um sinal de que o autor estava no lado esquerdo do espectro político. Em 1971, no “Prefácio” à edição americana do Imperialism in the Seventies [Imperialismo nos Anos Setenta] de Pierre Anime, Harry Magdoff apontava: “Como regra, os corteses acadêmicos preferem não usar o termo ‘imperialismo’. Acham-no de mau gosto e não científico”.

De repente, isso já não é certo em nossos dias. Intelectuais e membros da elite política norte-americana estão abraçando calorosamente uma aberta missão “imperialista” ou “neo-imperialista” dos Estados Unidos, reiteradamente enunciada nos meios escritos mais influentes como o New York Times e o Foreign Affairs. Este ardor imperialista é em muito devido à guerra contra o terrorismo empreendida pela administração Bush, a qual está tomando a forma de conquista e ocupação do Afeganistão e –se suas ambições se concretizarem– também do Iraque. Segundo a Estratégia de Segurança Nacional da administração Bush, não há limites ou fronteiras reconhecíveis ao uso do poder militar para promover os interesses dos Estados Unidos. Frente a esta tentativa de estender o que só pode ser denominado Império Norteamericano, intelectuais e figuras políticas não só estão retornando à idEia de imperialismo, mas também à visão sustentada por seus impulsores do início do século XIX, ou seja, o imperialismo como grande missão civilizadora. As comparações entre os Estados Unidos, a Roma Imperial e o Império Britânico são comuns na imprensa reinante. Tudo de que se necessita para fazer deste conceito algo completamente útil é despojá-lo de suas velhas associações marxistas com a hierarquia econômica e a exploração, por não mencionar o racismo.

Michael Ignatieff, professor de Políticas de Direitos Humanos da Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, escreveu no New York Times (28 de julho de 2002): “O imperialismo soube ser a carga do homem branco. Isto lhe deu uma má reputação. Mas o imperialismo não deixa de ser necessário porque é politicamente incorreto”. Ao referir-se às operações bélicas no Afeganistão, acrescentava: As Forças Especiais não são trabalhadores sociais. São um destacamento imperial que estende o poder e os interesses norte-americanos na Ásia Central. Chamem-no operações de paz, chamem-no construção de uma nação, chamem-no como queiram, o que está ocorrendo em Mazar é uma política imperial. Em rigor, toda a guerra norte-americana contra o terror é um exercício de imperialismo. Isso pode perturbar aos norte-americanos, que não gostam de pensar que seu país é um império. Mas de que outro modo se podem denominar as legiões de soldados, espiões e Forças Especiais dos Estados Unidos que marcham pelo globo? (Ignatieff, 2002). O general John Ikenberry, professor de Geopolítica e Justiça Global na Universidade do Georgetown, e colaborador habitual do Foreign Affairs, uma publicação do Conselho de Relações Exteriores, sustenta:

Sob a sombra da guerra contra o terrorismo lançada pela administração Bush, estão circulando com força novas idéias em relação à grande estratégia dos Estados Unidos e da reestruturação do mundo unipolar de hoje. Tais ideias demandam um uso unilateral, e inclusive preventivo, da força norte-americana, facilitado se possível por coalizões voluntárias, mas em última instância não constrangidas pelas regras e normas da comunidade internacional. Levadas a extremo, estas noções formam uma visão neo-imperial na qual os Estados Unidos se atribuem o papel de fixar os parâmetros, determinar as ameaças, usar a força, e administrar justiça em escala global (Ikenberry, 2002).

Para o Ikenberry, isso não implica uma crítica. A esse respeito, afirma: “Os objetivos e modus operandi imperiais dos Estados Unidos são muito mais limitados e amenos que aqueles dos antigos imperadores”.

Outras influentes figuras políticas e intelectuais do mainstream, sempre adaptadas à moda, não são menos diretas em seu apoio ao neo-imperialismo. Sebastian Mallaby, colunista do Washington Post e autodenominado “imperialista reticente”, ao escrever no Foreign Affairs (abril de 2002) explica que “a lógica do neo-imperialismo é muito atrativa para que a administração Bush possa resistir a ela”. No “The Case for American Empire” [Argumentos para o Império Americano], publicado no Weekly Standard, Max Boot, um colunista do Wall Street Journal, observa:

Os Estados Unidos enfrentam a perspectiva de ação militar em muitas das mesmas terras onde gerações de soldados coloniais britânicos desenvolveram suas campanhas. Todos esses são lugares onde os exércitos do Ocidente tiveram de aplacar a desordem. Afeganistão e outras turbulentas terras estrangeiras clamam pelo tipo de administração externa ilustrada que alguma vez proveram os ingleses, seguros de si mesmos, com suas calças de montar e seus cascos de safári (Boot, 2001).

Em seu último livro, Warrior Politics [Política do guerreiro], o ensaísta do Atlantic Monthly, Robert Kaplan, argumenta a favor de uma cruzada norte-americana “para levar prosperidade a remotas partes do mundo, sob a suave influência imperial dos Estados Unidos”. O assessor de Segurança Nacional do presidente Carter, Zbigniew Brzezinski, sustenta que a principal tarefa dos Estados Unidos na preservação de seu império consiste em “prevenir conluios e manter a dependência entre os vassalos, manter submissos e protegidos aos tributários, e evitar que os bárbaros se juntem”. Stephen Peter Rosen, titular do Olin Institute for Strategic Studies da Universidade de Harvard, na Harvard Review (maio-junho de 2002), escreveu: “Nosso objetivo [o das forças armadas norte-americanas] não é combater um rival, mas sim manter nossa posição imperial, e manter a ordem imperial”. Henry Kissinger começa seu Does America Need a Foreing Policy? [Os Estados Unidos precisam de uma política externa?], com estas palavras: “Os Estados Unidos gozam de uma proeminência que não alcançaram sequer os grandes impérios do passado”84.

Entretanto, dentro do discurso do establishment há regras para esta reapropriação dos conceitos de “império” e “imperialismo”. As motivações excepcionalmente benévolas dos Estados Unidos devem ser enfatizadas. Aqueles que propõem o novo imperialismo devem limitar-se aos conceitos militares e políticos de império e imperialismo (evitando qualquer sentido de imperialismo econômico). E devem evitar todas as noções radicais que vinculam o imperialismo ao capitalismo e à exploração.

As bases econômicas do imperialismo

O berço da noção de imperialismo econômico, como algo oposto ao imperialismo em geral, foi nos Estados Unidos, pouco mais de um século atrás. Em seu ensaio “The Economic Basis of Imperialism” [“As bases econômicas do Imperialismo”], publicado pela primeira vez na Norh American Review, em 1898, em tempos da guerra Hispano-Norte-Americana, Charles A. Conant concluiu que o imperialismo era necessário para absorver capital excedente frente à escassez de oportunidades de investimentos rentáveis; em outras palavras, para aliviar o que ele denominava problema de “capital congestionado”.

Se os Estados Unidos deverão realmente adquirir posses territoriais, estabelecer capitanias gerais e regimentos, adotar um ponto médio para proteger soberanias nominalmente independentes, ou contentar-se com estações navais e representantes diplomáticos como base para assegurar seus direitos de livre comércio com o Leste, é uma questão de detalhe [...] A partir de seus sentimentos, quem aqui escreve não é partidário do “imperialismo”, mas não teme que esta palavra signifique somente que os Estados Unidos deverão afirmar seus direitos ao livre mercado em todos os velhos países que estão sendo abertos aos recursos excedentes dos países capitalistas e, deste modo, recebendo os benefícios da civilização moderna. Pode-se discutir se esta política suporta o governo direto sobre grupos de ilhas semi-selvagens, mas do ponto de vista econômico da questão não há senão uma opção: ou entrar por algum meio na competição para o emprego de capital e empreendimentos americanos nesses países, ou continuar com a desnecessária duplicação dos existentes meios de produção e comunicações, com a conseqüente superabundância de produtos não consumidos, as convulsões que se seguem da paralisia do comércio, e a constante queda dos lucros sobre os investimentos que tal política negativa trará vinculada (Conant, 1900: 29-30).

No final do século XIX e começo do século XX, os conflitos entre as grandes potências pela partilha da África, a guerra sino-japonesa (1894-1895), a hispano-norte-americana, a sul-africana (Guerra Boer) e a russo- japonesa, assinalaram o começo do novo imperialismo, associado ao capitalismo monopolista, o qual era qualitativamente diferente do colonialismo que o tinha precedido. Isso gerou uma teoria econômica do imperialismo entre os impulsores do imperialismo, que já não o viam como um mero “sentimento”, como enfatiza a análise de Conant. Do mesmo modo, as mudanças no imperialismo logo deram origem a uma análise mais exaustiva, que foi inaugurada com o clássico do John A. Hobson, Imperialism: A Study [Imperialismo: um estudo], publicado em 1902. Hobson era um destacado crítico britânico da Guerra Boer, e desde este ponto de partida desenvolveu sua crítica ao imperialismo. Em um famoso capítulo intitulado “The Economic Taproot of Imperialism” [“A raiz Econômica do Imperialismo], Hobson assinalava:

Cada melhora nos métodos de produção, cada concentração da propriedade e do controle, parece acentuar a tendência [à expansão imperialista]. À medida que uma nação atrás de outra ingressa na economia das máquinas e adota métodos industriais avançados, torna-se mais difícil para seus industriais, mercaderes e financistas dispor rentavelmente de seus recursos econômicos [...] Em todas as partes aparecem poderes produtivos excessivos, capital excessivo em busca de investimento. Todos os homens de negócios admitem que o crescimento dos poderes produtivos em seus países excede o crescimento do consumo, que se podem produzir mais bens que os que podem ser vendidos com lucros, e que existe mais capital que o que pode ser investido rentavelmente. Esta situação econômica é a que forma a raiz do Imperialismo (Hobson, 1938).

O trabalho de Hobson não era socialista. Acreditava que o imperialismo originava-se na posição dominante de certos interesses econômicos e financeiros concentrados, e que as reformas radicais que abordassem a má distribuição da renda e as necessidades da economia doméstica podiam frear o impulso imperialista. Contudo, seu trabalho adquiriria muito mais significação por meio da influência que exerceu sobre as análises marxistas do imperialismo que estavam surgindo nessa época. O mais importante deles foi Imperialismo, fase superior do capitalismo, de Lênin, publicado em 1916. O principal propósito da análise de Lênin era explicar a rivalidade interimperialista entre as grandes potências, as quais haviam conduzido à Primeira Guerra Mundial. Mas no curso de sua análise, Lênin vinculou o imperialismo ao capitalismo monopolista, argumentando que “em sua definição o mais breve possível [...] o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo”. Nesse contexto, explorou um conjunto de fatores econômicos que foram muito além da má distribuição da renda ou dos objetivos de ganho de corporações monopolistas particulares. O capitalismo monopolista era visto como uma nova fase, mais à frente do capitalismo competitivo, na qual o capital financeiro, uma aliança entre as grandes empresas e o capital bancário, dominava a economia e o Estado. A competição não era eliminada, mas continuava principalmente entre um grupo relativamente pequeno de empresas gigantescas que tinham a capacidade de controlar grandes porções da economia nacional e internacional. O capitalismo monopolista, neste sentido, era inseparável da rivalidade interimperialista, que se manifestava basicamente sob a forma de uma luta pelos mercados globais. A resultante divisão do mundo em esferas imperiais e a luta que esta implicava, conduziu diretamente à Primeira Guerra Mundial. A mais complexa perspectiva de Lênin sobre o imperialismo superava o argumento que se centrava simplesmente na necessidade de achar pontos de investimento para o capital excedente. Lênin também pôs ênfase no ímpeto para obter um controle exclusivo sobre as matérias-primas e um controle mais estrito sobre os mercados externos que surgiu no marco das condições globalizantes da fase monopolista do capitalismo.

Análises marxistas posteriores (e radicais não-marxistas) focalizaram-se mais ainda que a de Lênin em alguns dos traços mais gerais do imperialismo, característicos do capitalismo em todas suas fases, tais como a divisão entre centro e periferia, um assunto que tinha sido abordado por Marx. Mas o sentido que Lênin lhe deu –como uma forma nova e mais desenvolvida de imperialismo, associada à concentração e centralização do capital e ao nascimento da fase monopolista–, manteve muita de sua significação em nossa época, que se caracteriza por um capitalismo monopolista em uma fase avançada de globalização. Nesse sentido, o próprio êxito das teorias marxistas do imperialismo, que mostraram a exploração capitalista sistemática da periferia e as condições de rivalidade interimperialista com grande detalhe –de modo que o imperador foi visto em toda sua nudez– foi o que fez com que o termo “imperialismo” superasse os limites toleráveis para o discurso dominante. Enquanto existiu a União Soviética e uma poderosa onda de revoluções antiimperialistas foi evidente na periferia, não houve possibilidade de que o capitalismo abraçasse abertamente o conceito de imperialismo em nome da promoção da civilização. As intervenções militares norte-americanas no Terceiro Mundo para combater as revoluções ou para ganhar controle dos mercados eram, invariavelmente, apresentadas no discurso oficial dos Estados Unidos em termos associados às motivações próprias da Guerra Fria, e não em termos dos objetivos imperiais.

A Era do Imperialismo 

The Age of Imperialism [A Era do Imperialismo], de Harry Magdoff, publicado em 1969, distinguiu-se por ser a tentativa direta mais influente para rebater a visão dominante na política externa dos Estados Unidos durante o período da Guerra do Vietnam, mediante um tratamento empírico da economia do imperialismo norteamericano85.

O trabalho de Magdoff não podia ser efetivamente desqualificado como mera ideologia, porque visava arrancar as roupagens do imperialismo norte-americano, observando sua estrutura econômica do modo mais direto possível, usando para isso estatísticas econômicas dos Estados Unidos. Portanto, atraiu consideráveis ataques por parte do establishment, ao mesmo tempo em que inspirou muitos dos que protestavam contra a guerra.

A Era do Imperialismo representou o retorno da crítica ao imperialismo a um lugar de proeminência no seio da esquerda norte-americana. Ao abordar o que era amplamente visto como uma anomalia na relação dos Estados Unidos com o resto do mundo, originada na existência de uma política externa intervencionista acompanhada por uma aparente “economia isolacionista”, Magdoff demonstrou que a economia dos Estados Unidos, de fato, era algo menos isolacionista. A esse respeito, o autor punha o acento sobre o fluxo de investimentos externos diretos no exterior e seu efeito na geração de um fluxo de lucros. Além disso, criticava o erro comum de comparar simplesmente as exportações ou os investimentos externos das corporações multinacionais com o PIB. Ao contrário, a importância destes fluxos econômicos só podia ser estimada ao relacioná-los com setores estratégicos da economia, como as indústrias de bens de capital; ou ao comparar os lucros do investimento externo com os benefícios dos negócios não-financistas no nível doméstico. Neste sentido, Magdoff contribuiu com informação que mostrava que, em 1950, os lucros dos investimentos externos representavam 10% dos lucros totais (descontados os impostos) das corporações domésticas não-financeiras, enquanto que por volta de 1964 tais lucros tinham crescido até 22%.

Esta obra também foi notável por seus argumentos sobre a expansão financeira internacional do capital americano, apoiada na posição hegemônica do dólar na economia mundial e no crescimento da armadilha da dívida no Terceiro Mundo. Foi assim que Magdoff desenvolveu sua primeira explicação do “processo de fluxo transbordado” inerente à contínua dependência em relação à dívida externa. “Se um país toma emprestado, digamos, US$ 1.000 por ano”, escreveu, “em pouco tempo o pagamento de serviços da dívida será maior que o ingresso de dinheiro de cada ano” (Magdoff, 1969). Se se tomar o singelo caso de um empréstimo anual de US$ 1.000 a 5% de juros “a ser devolvido em cotas iguais durante 20 anos”, disto se segue que no quinto ano quase cinqüenta por cento do empréstimo anual irá ao pagamento dos serviços da dívida; no décimo ano quase 90% do empréstimo será destinado ao pagamento de serviços da dívida; no quinto ano, o fluxo para o pagamento de juros e amortização será maior que o próprio empréstimo; e no vigésimo ano “o tomador estará pagando mais de US$ 1.50 sobre a dívida passada por cada US$ 1 de novo dinheiro que toma emprestado”.

Não seria por acaso possível, perguntava Magdoff, que um país evitasse esta armadilha deixando de tomar dinheiro emprestado ano após ano, e em seu lugar usasse o dinheiro pedido para desenvolver indústrias que gerassem renda para prescindir dos créditos e inclusive cancelar a dívida? Uma boa parte da resposta podia achar-se no fato de que, como o pagamento tem que fazer-se na moeda do país credor, a dívida só poderia ser paga (independentemente da taxa de crescimento) se houvesse suficientes exportações que provessem as divisas necessárias. Já em 1969, muito antes que a dívida do Terceiro Mundo fosse considerada um problema crítico, Magdoff observava que:

O crescimento de pagamento de serviços da dívida do mundo subdesenvolvido cresceu muito mais rápido que suas exportações. Assim, o peso da dívida tem se tornado mais opressivo e, em conseqüência, cresceu a dependência financeira com relação às nações industriais líderes e suas organizações internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (Magdoff, 1969). 

Segundo Magdoff, a essência do imperialismo tal como se manifestou no final do século XX radicava na globalização do capital monopolista sob as condições da hegemonia dos Estados Unidos. Nas páginas finais de A Era do Imperialismo, lê-se:

A típica empresa internacional de negócios já não se limita a uma gigantesca empresa petroleira. Pode ser tanto General Motors ou General Electric, que têm entre um 15 e 20% de suas operações em negócios externos e fazem todos seus esforços para incrementar tais percentagens. O objetivo explícito que perseguem essas empresas internacionais é obter o mais sob custo de produção por unidade, a escala mundial. Também é seu objetivo, embora não o diga abertamente, alcançar o topo no movimento de fusões no Mercado Comum Europeu e controlar uma parte tão grande do mercado mundial como a que têm no mercado americano (Magdoff, 1969).

A maior parte dos ensaios do livro de Magdoff, Imperialism: From the Colonial Age to the Present [Imperialismo: da Época Colonial ao Presente], publicado em 1978, versa sobre as falsas concepções da história do imperialismo. A esse respeito, foi de grande importância a resposta de Magdoff à pergunta: “O Imperialismo é necessário?”. Como réplica a afirmação estendida de que o capitalismo e o imperialismo eram categorias completamente separadas, e que este último não era necessariamente um atributo do primeiro, Magdoff argumentou que o capitalismo foi um sistema mundial desde seus primórdios, e que a expansão imperialista em um sentido amplo foi parte do sistema, tanto como a busca de lucros. Também polemizou com aqueles expoentes da esquerda que pretendiam gerar uma análise do imperialismo moderno mediante uma teoria particular das crises econômicas ou da necessidade de exportação de capital, em vez de reconhecer que o imperialismo era intrínseco às tendências globalizadoras do capitalismo desde seu princípio. Apesar da importância das leis econômicas do movimento do capitalismo na geração do imperialismo moderno, devia evitar-se qualquer explicação simples, mecânica e estreitamente econômica (separada de fatores políticos, militares e culturais). Em troca, as fontes últimas deviam buscar-se no desenvolvimento histórico do capitalismo a partir do século XVI. “A eliminação do imperialismo”, concluía Magdoff, “requer a derrocada do capitalismo” (Magdoff, 1978).

Vigiando o conceito de imperialismo

A resposta mais corrente a esses argumentos e a seus derivados consistiu em colocar o termo “imperialismo” (na medida em que estava vinculado ao capitalismo) cada vez mais por fora do reino dos discursos aceitáveis. Assim, foi caracterizado como um termo puramente ideológico. Ao mesmo tempo, houve tentativas de isolar especificamente o termo “imperialismo econômico”, dissociando-o –mediante o método estreito e compartimentalizador da ciência social convencional–, do imperialismo político, do imperialismo cultural, etc., para depois submetê-lo a uma crítica especial86.

86 O exemplo mais claro disto é Steven J. Rosen e James R. Kurth, Testing Theories of Economic Imperialism (1974). Em um ensaio crítico nesse volume, Harry Magdoff concluiu que um “quadro analítico [que] pusesse em compartimentos separados aspectos chave do problema do imperialismo, que são na verdade inseparáveis [seria equivocado]. A tentativa de estabelecer uma diferenciação clara entre temas militares, políticos e econômicos leva a ignorar o mais essencial: a interdependência e interação mútua desses fatores. Tal modo de pensar –incluindo o uso da abstração ‘interesse nacional’– é bastante tradicional na ciência social ortodoxa, um fato que de muito apresenta inabilidade histórica de enfrentar tanto o crescimento e a significância do imperialismo ou das [novas] raízes imperialistas no capitalismo monopolista” (Magdoff em Rosen e Kurth, 1974: 86).

Este ataque contra as posturas marxistas e radicais sobre o imperialismo foi tão eficaz que, em novembro de 1999, Prabhat Patnaik escreveu um artigo para o Monthly Review intitulado “O que ocorreu com o Imperialismo?”, no qual expôs a questão do quase completo desaparecimento do termo nas análises da esquerda nos Estados Unidos e Europa. Era particularmente assombroso que isto tivesse ocorrido em face às intervenções militares norte-americanas (tão abertas como encobertas) em países como Nicarágua, El Salvador, Guatemala, Granada, e Panamá, e apesar do papel predatório das multinacionais em todo mundo (por exemplo, na Índia, onde a Union Carbide matou milhares de pessoas). Dizia Patnaik: “Os marxistas mais jovens mostram-se confusos quando se menciona este termo. Os assuntos prementes de nossos dias […] discutem-se sem referência alguma ao imperialismo […] O tema virtualmente desapareceu das páginas das publicações marxistas, especialmente naquelas com menor tradição”. A história e a teoria do imperialismo, assinalava Patnaik, já não são temas de discussão.

É possível observar o significado histórico deste assunto na cisão ideológica que ocorreu, primeiro, como resposta às lutas sobre a globalização e as novas Guerras Balcânicas, e mais tarde em relação aos ataques de 11 de setembro ao World Trade Center de Nova Iorque e ao Pentágono, e a subseqüente guerra contra o terrorismo. Por um lado, os intelectuais inscritos nas correntes dominantes –particularmente ante a ampliação das operações militares dos Estados Unidos e da OTAN, mas também em resposta a assuntos tais como o apoio norte-americano à Organização Mundial do Comércio (OMC)–, mostraram-se mais dispostos a se reapropriarem do conceito de imperialismo com a intenção de lhe outorgar mais brilho ao que vinha sendo apresentado como a hegemonia benéfica ou o “imperialismo brando” da única superpotência mundial. Por outro lado, os pensadores pós-marxistas e ex-radicais com freqüência assumiram a tarefa de criticar qualquer uso do conceito de imperialismo no sentido marxista clássico, desligando-o do capitalismo, da exploração global, e do imperialismo econômico, e argumentando que, dado que o termo era inaceitável no discurso elegante, devia ser descartado.

Um exemplo disto é o artigo de Tom Barry, intitulado “A Return to Interventionism” [“Um retorno ao intervencionismo”], que apareceu online no Foreign Policy in Focus, em 11 de março de 2002, em aparente resposta aos ataques de 11 de setembro e à guerra contra o terrorismo. Barry, que em seus escritos prévios dos anos 1970 não tinha vacilado em adotar o conceito de imperialismo, sustentava:

Para alguns, especialmente na nova e velha esquerda, esta [a era do Vietnam] foi “Era do Imperialismo”, uma era na qual os Estados Unidos estiveram assegurando seu controle sobre os recursos e os estados do mundo “em desenvolvimento”. Havia debilidades analíticas nesta crítica antiimperialista, especialmente porque não explicava muito bem por que os Estados Unidos estavam tão profundamente envolvidos em lugares de, aparentemente, tão pouca importância econômica, como o Vietnam do Sul. Tampouco era de grande ajuda a crítica à América do Norte imperial para explicar o lado idealista do intervencionismo norteamericano, a compulsão wilsoniana de levar a liberdade e a democracia ao resto do mundo. Se o objetivo era reformar a política externa dos Estados Unidos, criticando este país como um poder imperial manifesto, isto não tinha efeito nem sobre os fazedores de políticas norte-americanos nem sobre o público. O que sim parecia funcionar, como modo de suavizar as tendências da política externa norteamericana que respaldavam a repressão e a intervenção militar no Terceiro Mundo, era a crítica a partir dos direitos humanos (Barry, 2002).

A partir dessa perspectiva, houve uma razão que bastou para que se abandonasse completamente o tema: o fato de que os “fazedores de políticas dos Estados Unidos”, isto é, os representantes do sistema de poder dominante, não terem sido atraídos ao conceito de imperialismo. Adicionalmente, esteve presente o fato de que uma população doutrinada não viu no termo nenhuma relação com a história norte-americana, em parte porque não tinha conhecimento das centenas de intervenções militares nas quais se envolveram os Estados Unidos, nenhuma compreensão mais ampla do significado do termo imperialismo. Depois de tudo, não é certo que os Estados Unidos procuram, primordialmente, com exceção de alguns deslizes aqui e lá, “levar a liberdade e a democracia ao resto do mundo”? Contudo, ao mesmo tempo em que aparecia este artigo, os exércitos norte-americanos estavam realizando operações bélicas no Afeganistão, construindo bases na Ásia central, e lançando intervenções nas Filipinas e outros lugares. Ao mesmo tempo em que a noção de uma “Era do Imperialismo” estava sendo criticada pela esquerda norte-americana, os comentaristas do sistema e as figuras políticas estavam elogiando a nova era do imperialismo liderada pelos Estados Unidos.

Uma crítica mais influente sobre a noção de imperialismo foi lançada por Michael Hardt e Antonio Negri no livro Empire (2000), publicado pelo Harvard University Press. Segundo Hardt e Negri, o imperialismo culminou com a guerra do Vietnam. Para estes autores, a Guerra do Golfo, de 1991, na qual os Estados Unidos lançaram seu poder militar sobre o Iraque, foi realizada “não como uma função de suas próprias motivações nacionais [dos Estados Unidos], mas sim em nome do direito global […] A força policial mundial dos Estados Unidos opera, não com um interesse imperialista, mas sim com um interesse imperial [quer dizer, em função dos interesses de um Império sem centro e sem fronteiras]. Neste sentido, a Guerra do Golfo anunciou, como afirmava George Bush [pai], o nascimento de uma nova ordem mundial” (Hardt e Negri, 2000).

Em outra passagem do livro, os autores declaravam: “Os Estados Unidos não constituem –e, na verdade, nenhum outro Estado-nação pode constituir hoje– o centro de um projeto imperialista”. Precisamente esta posição foi a que recebeu maior ênfase nos generosos elogios ao livro de Hardt e Negri que se derramaram desde lugares tais como o New York Times, a revista Times, o London Observer e Foreign Affairs87. Tratase de uma posição que nega a relação entre os Estados Unidos e o imperialismo em seu sentido clássico, em seu sentido de exploração, e além disso considera que a extensão da soberania e o poder norte-americanos refletem o “império” e o papel civilizador “imperial” (a extensão da Constituição norte-americana em escala global).

Recentemente, Todd Gitlin, ex-presidente do Students for ao Democratic Society e atual professor de jornalismo e sociologia em Columbia, em um artigo para a página de opinião editorial do New York Times (5 de setembro de 2002), escreveu:

A esquerda norte-americana […] teve sua versão do unilateralismo. A responsabilidade pelos ataques [de 11 de setembro] devia, de algum modo, imputar-se ao imperialismo norte-americano, porque toda responsabilidade deve imputar-se ao imperialismo norte-americano, o qual constitui um perfeito eco da idéia da direita de que todo o bem é e deveria ser de algum modo norte-americano. Os intelectuais e ativistas da extrema esquerda não podiam sentir-se muito afligidos com a compaixão e a defesa […] Como sabiam pouco sobre a rede Al Qaeda, classificaram-na sob o rótulo de antiimperialismo, e aos ataques norteamericanos contra os talibans sob o rótulo do Pântano do Vietnam. Para eles, não agitar a bandeira se converteu em uma causa premente […] Os liberais pós-Vietnã agora têm uma oportunidade, livres como estão de nossa ansiedade sessentista pela bandeira e de nossa reflexividade negativa, de abraçar o patriotismo liberal que não pede desculpas e não se acovarda (Gitlin, 2002).

Segundo Gitlin, escrevendo de um lugar da imprensa do establishment e que veio publicando artigos que desavergonhadamente elogiam um “imperialismo” norteamericano supostamente benigno, “toda a acusação de ‘imperialismo norte-americano’ foi um tipo de distorção extrema introduzida pela esquerda”. Não importa que o estabelecimento de bases militares norte-americanas permanentes na Arábia Saudita, como conseqüência da guerra dos Estados Unidos contra Iraque em 1991, tenha sido o fator que induziu os fundamentalistas islâmicos a sair da Arábia Saudita (incluída a própria Al Qaeda) e voltar-se para os Estados Unidos. Não importa que Osama bin Laden tenha obtido seu treinamento terrorista nas guerras patrocinadas pelos Estados Unidos que os fundamentalistas islâmicos lideraram contra os soviéticos no Afeganistão. Não importa que Saddam Hussein tenha sido um ex-cliente imperial dos Estados Unidos em tempos da guerra Irã-Iraque (e inclusive até ao momento de sua invasão ao Kuwait). E não importa que a Arábia Saudita e Iraque ocupem o primeiro e o segundo lugar a nível mundial por suas reservas conhecidas de petróleo, ou o fato de que o Afeganistão seja a porta da frente da Ásia central, uma das áreas mais ricas do mundo em reservas de petróleo e gás natural. Finalmente, não importa que os Estados Unidos agora tenham bases militares na Ásia central e estejam dispostos a ficar. De algum modo, apesar de tudo isto, e apesar do fato de que o “suposto imperialismo” atualmente está sendo aclamado amplamente no mainstream, a esquerda não se permite tocar no tema do imperialismo norte-americano como parte de uma crítica à política externa dos Estados Unidos. Se o imperialismo está sendo redescoberto, isso só é feito dentro de certos limites ideológicos circunscritos.

Ricos mais ricos e pobres mais pobres, no nível global

Um aspecto essencial da redescoberta do imperialismo nos setores predominantes consiste na justificação do domínio político e militar dos Estados Unidos, separando-o de qualquer noção sobre a crescente brecha em nações ricas e pobres, tal como o enfatizam as teorias marxistas e o destaca o novo movimento antiglobalização e anticapitalista. Um sinal do impacto deste novo movimento anticapitalista global está dado pela medida em que o establishment global e seus aliados têm sentido a necessidade de defender seus próprios antecedentes. Uma boa parte desta defesa consiste em afirmar que os militantes antiglobalização não sabem do que estão falando. Dizem-nos que se o imperium norte-americano parecer mais dominante que nunca, isto não tem nada a ver com a exploração econômica.

Um exemplo ilustrativo pode ser observado no artigo que escreveu Virginia Postrel, uma das colunistas estáveis em temas econômicos do New York Times, em 15 de agosto de 2002. O título era muito atrativo: “The Rich Get Richer and the Poor Get Poorer. Right? Let’s Take Another Look” [“Os ricos se fazem mais ricos e os pobres se fazem mais pobres. Verdade? Vamos dar mais uma olhada”]. O artigo estava pensado para aparecer antes da Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável em Johannesburg, em agosto e setembro de 2002, e seu objetivo era o de refutar Noam Chomsky, de quem se referia a seguinte entrevista: “A desigualdade está crescendo durante o período globalizador, no interior dos países e entre os próprios países”. Segundo Postrel, Chomsky não só estava totalmente equivocado, mas também estava o Relatório sobre Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, do ano 1999, o qual chegava à mesma conclusão com base na informação sistematizada pela própria ONU.

Qual era o engano nas afirmações de Chomsky e das Nações Unidas, segundo Postrel e outros defensores da globalização e da liberalização? A informação, insistem, tem muitas falhas.

O relatório das Nações Unidas, e outros informes também, observam as brechas de renda entre os países mais ricos e os mais pobres, e não entre indivíduos ricos e pobres. Isto significa que indivíduos previamente pobres em países enormes poderiam tornar-se muito mais ricos e quase não aparecer nas estatísticas (Postrel, 2002).

Desta maneira, os defensores neoliberais do sistema global mesclam e confundem duas questões separadas: a brecha entre países e a desigual distribuição da renda na população mundial. Em rigor, há uma diferença legítima entre ambos os assuntos. O tamanho dos países é irrelevante quando se examina a brecha entre países. A economia mundial funciona através de diferentes Estados. A história do capitalismo se caracteriza por uma crescente brecha em Estados ricos e pobres, uma brecha que se distingue pelo fato de que os Estados ricos crescem, em boa medida, por meio da exploração de outras nações. Às vezes, um Estado grande é o que explora um grupo de Estados menores. Em outros casos, trata-se de um Estado pequeno que extrai excedente de Estados muito maiores. Pense-se no atual Império Norte-americano e no antigo Império Britânico.

Os ideólogos do capitalismo global, dedicados a demonstrar o caráter benigno do imperialismo norte-americano, insistem em que a globalização e a liberalização conduzirão à igualdade econômica entre nações, grandes e pequenas. Os dados que a ONU exibe, entretanto, provam conclusivamente que isto não ocorreu. Ao contrário, a brecha entre Estados se alargou.

Ainda assim, o New York Times não se importa. Importam-lhe as pessoas. Postrel assinala:

Nas três últimas décadas […] os maiores países do mundo, China e Índia, avançaram economicamente. Também o têm feito outros países asiáticos com populações relativamente grandes. O resultado é que 2,5 bilhões de pessoas viram aumentar seus padrões de vida em direção ao do 1 bilhão de pessoas que vivem nos países já desenvolvidos, decrescendo assim a pobreza global e incrementando a igualdade global. Do ponto de vista dos indivíduos, a liberalização econômica foi um enorme êxito (Postrel, 2002).

Que exemplos! Vejamos a contribuição da Índia à redução da pobreza global. Segundo o mais recente relatório do Banco Mundial, 86% da população da Índia vive com menos de dois dólares diários88 . Em 1983, o 10% com maiores ingressos na Índia representavam o 26,7% da renda e dos gastos; em 1991, sua participação era de 28,4%, e em 1997 se elevou para 33,5%. Dificilmente se pode dizer que isso é um sinal de crescente igualdade! (Banco Mundial, World Develpment Report, edições de 1990, 1996 e 2003)89.

Consideremos agora o caso da China. Três décadas atrás, a China era a nação mais desigual do mundo. Então, seus líderes políticos tomaram outro caminho para perseguir seus objetivos. Em lugar da prévia prioridade que lhe atribuía à igualdade, disse aos cidadãos que enriquecer era bom. Respirou-se a iniciativa privada, ampliou-se a abertura aos investimentos estrangeiros, o Estado chinês se sentiu cômodo com as multinacionais norte-americanas, foram dadas as boas-vindas à globalização, entrou o Banco Mundial, e recentemente a China se converteu em membro da OMC.

O resultado foi exatamente o contrário do que o dogma prevalecente nos teria feito esperar, e que Postrel e outros defensores da globalização neoliberal simplesmente assumem como verdadeiro. A China, que alguma vez se destacou por sua devoção à igualdade, tornou-se crescentemente desigual. Tanto é assim que por volta de fins dos anos noventa, a distribuição de renda na China se assemelhava bastante à má distribuição da renda dos Estados Unidos (veja a Tabela 1).

Tabela 1

Distribuição da renda nos Estados Unidos e China

Participação percentual na renda ou no consumo*


10% inferior
20% inferior
10% superior
20% superior
China
2,4
5,9
30,4
46,6
Estados Unidos
1,8
5,2
30,3
46,4

* Dependendo da informação disponível, os economistas do Banco Mundial calculam a distribuição da renda por meio da renda ou do consumo.

Fonte: World Bank, World Development Report 2000/2001. As informações dos Estados Unidos correspondem a 1997; as da China, a 1998.

De fato, existe um robusto conjunto de dados sobre a distribuição da renda em escala mundial. A informação foi desenvolvida mediante um exaustivo e muito competente estudo realizado pelo Branco Milanovic, um economista do Banco Mundial. Milanovic se internou na incrível quantidade de informação estatística dos computadores do Banco Mundial e seu estudo deu origem a um panorama sobre a distribuição de renda da população mundial em 1988 e 1993. Demonstra que, em rigor, a desigualdade aumentou durante esses anos (veja a Tabela 2).

Tabela 2

Distribuição da renda mundial: porcentagens acumuladas de população e rendas

Participação percentual na renda ou no consumo*

Percentual acumulado da população mundial
Percentual acumulado da renda mundial

1988
1993
10% inferior
0,9
0,8
20% inferior
2,3
2,0
50% inferior
9,6
8,5
75% inferior
25,9
22,3
85% inferior
41
37,1
10% inferior
46,9
50,8
5% inferior
31,2
33,7
1% inferior
9,3
9,5


Fonte: Branko Milanovic (World Bank, Development Research Group), "True World Income Distribution, 1988 and 1993: First Calculation Based on Household Surveys Alone", The Economic Journal , 112 (January 2002), pp. 51-92.

É notável que, em 1993, o 1% mais rico recebeu uma parte maior (9,5%) da renda mundial que os 50% mais pobre, enquanto que 5% mais rico, nesse mesmo ano, tinham uma participação na renda que excedia com acréscimo a de 75% mais pobre e estava aproximando-se da renda do 85% mais pobre. (Milanovic explorou a informação com muito mais detalhe do que se apresenta aqui, e concluiu que 1% mais rico tinha a mesma renda que 57% mais pobre das pessoas deste planeta). Estes números são exatamente o que alguém poderia esperar da história completa do capitalismo, o qual prospera mediante uma ampliação da brecha entre ricos e pobres, uma lei do sistema que agora opera sobre um espaço global. Esta exploração global é o núcleo do imperialismo, que é tão básico para o capitalismo, e tão inseparável, como o é a própria acumulação. Mas isto não é tudo em relação ao imperialismo, o qual representa uma história complexa que contém fatores políticos, militares e culturais (raciais). A partir de uma perspectiva marxista, o imperialismo econômico não está realmente separado destes outros elementos, que são, igualmente, parte do desenvolvimento capitalista global. Do mesmo modo que a busca de lucros é o mantra do imperium norteamericano, seu poder militar e político está apontado para estender esta busca e para ampliar seu alcance em escala mundial, colocando em todo momento e sempre em primeiro lugar os interesses das corporações e do Estado norte-americanos.

O redescobrimento do imperialismo no seio do mainstream só significa que na atualidade estes processos estão sendo apresentados, especialmente por parte dos círculos governantes nos Estados Unidos, como inevitáveis, como uma realidade da qual não se pode escapar. Entretanto, é claro que a revolta contra esta nova fase do imperialismo apenas começou. A maior parte da população mundial conhece aquilo que os comentaristas norte-americanos convenientemente esquecem, isto é, que o imperialismo dos Estados Unidos se parece com o dos impérios exploradores do passado, e provavelmente sofrerá o mesmo destino, com revoltas internas e com os “bárbaros” a suas portas.

Notas:

84 As citas de Boot, Brzezinski, Kaplan, Kissinger, Mallaby, e Rosen estão tomadas de Philip S. Golub (2002). Veja também Martin Walker (2002).

85 As obras de Magdoff The Age of Imperialism: The Economics of U.S. Foreign Policy (1969) e, Imperialism: From the Colonial Age to the Present (1978) foram publicados pela Monthly Review Press. A discussão que se segue acerca do trabalho de Magdoff pode ser encontrada em John Bellamy Foster (2000: 385–94).

87 Para um tratamento mais detalhado do livro de Hardt e Negri sobre esse tema, veja John Bellamy Foster (2001: 1–9).

88 Esta informação é para o ano de 1992, o ano mais recente para este tipo de informação que está disponível. O limite de US$ 2 está baseado na paridade do poder de compra. Isto significa que os dados foram ajustados para determinar que quantidade de um determinado encargo de mercadorias de consumo poderia ser comprada por US$ 2, eliminando os efeitos das diferenças entre preços de país em país.

89 Estes dados foram extraídos das tabelas do Banco Mundial sobre a distribuição de renda – em edições recentes o World Development Report intitulado “Poverty and Income Distribution.” Ao calcular os percentuais de distribuição de renda, o Banco Mundial baseia-se em pesquisas em domicílio de renda ou despesas compiladas pelos vários países. No sentido de assegurar que os dados sejam compatíveis, o pessoal do Banco Mundial usa sempre quando possível as despesas domésticas ao invés de dados de renda. No caso da Índia, os dados referidos estão baseados nos gastos domésticos per capita.

Bibliografia

Barry, Tom 2002 “A Return to Interventionism” em Foreign Policy in Focus, 11 de março. Em .

Boot, Max 2001 “The case for American Empire” em Weekly Standard, Vol. 7, Nº 5, 15, outubro.

Golub, Philip S. 2002 “The Dynamics of World Disorder. Westward the Course of Empire” em Le Monde Diplomatique, septembro. Edição em inglês em .

Foster Bellamy, John 2000 “Harry Magdoff,” em Arestis, Phillip e Sawyer, Malcolm A Biographical Dictionary of Dissenting Economists (Northampton, Mass.: Edward Elgar).

Foster Bellamy, John 2001 “Imperialism and ‘Empire’” em Monthly Review (Londres) Nº 53, dezembro.

Hardt, Michael e Negri, Antonio 2000 Empire (Cambridge, Mass: Harvard University Press).

Hobston, John 1938 (1902) Imperialism. A Study (Londres: Georg Allen & Unwin).

Ignatieff, Michael 2002 “Barbarians at the Gate?” em The New York Review of Books, 28 de julho.

Ikenberry, John 2002 “America’s Imperial Ambition” em Foreign Affairs, Vol. 81, Nº 5, setembro-outubro.

Jalée, Pierre 1971 El Imperialismo en 1970 (México: Siglo XXI).

Magdoff, Harry 1969 The Age of Imperialism: The Economics of U.S. Foreign Policy (Nova Iorque: Monthly Review Press).

Magdoff, Harry 1978 Imperialism: From the Colonial Age to the Present (Nova Iorque: Monthly Review Press).

Milanovic, Branko 2002 “True World Income Distribution, 1998 and 1993: First Calculation Base on Household Survey Alone” em The Economist Review, novembro.

Patnaik, Prabhat 1990 “Whatever Happened to Imperialism?” em Monthly Review, novembro.

Postrel, Virginia 2002 “The Rich Get Rich and the Poor Get Poor Right? Let’s Take Another Look” em The New York Time, 15 de agosto.

Rosen, Steven J. e Kurth, James R. 1974 Testing Theories of Economic Imperialism (Lexington, Mass.: Lexington Books).

Walker, Martin 2002 “America’s Virtual Empire” em World Policy Journal, Vol. 19, verão.

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