7 de março de 1999

Como os EUA tomaram o poder no Brasil

Eleitores escolheram o Presidente Cardoso - mas, em vez disso, intrigas americanas lhes deram o Secretário do Tesouro Rubin

Greg Palast



Quando Robert Rubin, Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, era bem jovem, sonhou que um dia seria Presidente do Brasil. Agora, seu sonho tornou-se realidade. Obviamente, para um norte-americano residente em Washington, Rubin assumiu o poder da única maneira que lhe seria possível: por meio de uma brilhante falcatrua.

O Presidente nominal do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, foi reeleito em outubro de 98 por uma única razão: ele estabilizou, aparentemente, a moeda do seu país e, como conseqüência, estancou a inflação.

Na verdade, ele não fez isso. O real brasileiro foi absurdamente valorizado. Assim, à medida que se aproximavam as eleições a razão de troca, em relação ao dólar, desafiava, cada vez mais, a lei da gravidade. O milagre conduziu Cardoso à vitória, com 54% dos votos.

Todavia, não acontecem milagres na vida real. Quinze dias depois da posse de Cardoso, o real emborcou e morreu. Hoje ele vale quase a metade do seu valor no dia das eleições. A inflação está de volta e a economia implodiu. O apoio a Cardoso, que se revelou agora um fraudador incompetente caiu para 23% do eleitorado. Tarde demais. Ele é o Presidente.

Bem, mais ou menos! Não há muita coisa sobrando para a presidência de Cardoso, a não ser o título. Todas as decisões importantes, desde as de orçamento, até as relativas ao emprego, passaram a ser ditadas pelo FMI e agências associadas. Atrás deles, apertando o gatilho está o Secretário do Tesouro Rubin, que manobra como presidente "de fato" do Brasil, sem ter necessidade de faltar a um só "cocktail party" em Washington."

Este é o preço que Cardoso paga pelos serviços de Rubin durante a campanha eleitoral. Foi o Tesouro norte-americano que, junto com o FMI, manteve a moeda brasileira valorizada. Além de ajudar Cardoso, Rubin teve outro bom motivo para manter o sistema monetário brasileiro. Sabendo que a moeda iria se despedaçar após a eleição, o Tesouro norte-americano cercou-se de garantias de que os bancos americanos poderiam tirar o dinheiro deles do Brasil em condições favoráveis.

Entre Julho de 1998 e o início de Janeiro de 1999 as reservas brasileiras caíram de US$ 70 bilhões para US$ 26 bilhões, um sinal de que os banqueiros haviam pego o dinheiro deles e corrido para fora do Brasil.

Contudo, a moeda também ficou supervalorizada antes das eleições porque os norte-americanos disseram que substituiriam as reservas perdidas com um grande empréstimo do FMI.

E foi deixado claro para os eleitores que este empréstimo só seria dado para Cardoso e não para o Partido dos Trabalhadores, de oposição.

O patrocínio que a elite internacional deu para Cardoso foi selado pelo aparecimento no Rio de Janeiro, em Julho de 1998, de Peter Mandelson, cujo endosso de Cardoso marcou o ingresso oficial do Brasil no projeto da "terceira via" de Clinton-Blair e causou agito na imprensa brasileira.

Um mês após a reeleição de Cardoso, o FMI ofereceu créditos totalizando US$ 41 bilhões. Claro que o Brasil não receberá nada disso. Qualquer porção deste crédito que atualmente goteja em direção ao Brasil vai embora no primeiro avião, levados pelos investidores e especuladores que abandonam o país.

Os brasileiros pagarão integralmente esta dívida. Mas esta não é a preocupações dos brasileiros. Como parte da magia negra para manter a cotação do real frente ao dólar antes da eleição, Washington determinou ao Banco Central do Brasil que elevasse as taxas de juros, que agora chegam firme aos 39 por cento. O FMI queria 70 por cento. Nas ruas de São Paulo, isso se traduz em taxas de até 200 por cento em operações de empréstimos pessoais e empresariais.

A confirmação do esquema de Rubin de apoio a Cardoso e aos banqueiros norte-americanos vem de uma interessante fonte: Jeffrey Sachs da Universidade de Harvard. Sachs é bastante relembrado como a "Maria Tifóide" do neo-liberalismo (expressão figurada que indica "o grande disseminador do neo-liberalismo"), que espalhou teoremas de livre mercado e de depressão econômica através da antiga União Soviética. Sachs, que ainda está tagarelando em torno dos jogadores do grande jogo financeiro internacional disse-me:" Você podia ver a economia (brasileira) andando sobre um penhasco. O colapso ocorreu em câmera lenta. Mas antes de prevenir o colapso através de uma desvalorização controlada, Washington e o FMI vigorosamente encorajaram taxas de juros adicionais de 50 por cento."

"Washington queria Cardoso reeleito", disse ele, e os financiadores norte-americanos necessitavam seis meses para retirar seus capitais do Brasil em condições favoráveis.

Se o golpe financeiro de Rubin dá a impressão de ter sido bem sucedido, é porque ele usou o mesmo método que em 1994 o tornou presidente "de fato" do México. Mais uma vez, um partido governante suspeito foi levado ao poder através de uma (aparente) solidez monetária e promessas norte-americanas de auxílio.

Quatro semanas após a inauguração do Presidente Ernesto Zedillo, o peso entrou em colapso enquanto os banqueiros norte-americanos que financiavam o México eram "garantidos" de fora por um empréstimo especial dos Estados Unidos.

Cardoso sabe muito bem que as manipulações de Rubin são as culpadas pela falência brasileira. Mas, com a ajuda da imprensa direitista, ele (Cardoso) e o FMI atribuem a culpa pelo colapso econômico a vilões bem familiares dos leitores britânicos: empregados governamentais, aposentados e a união ("máquina" pública). Eles são acusados de estourar o orçamento do governo.

Isso é loucura. Pagamentos de juros, acentua Sachs, iguais a monstruosidade de 10 por cento dos gastos do país, são os únicos responsáveis por dobrar o déficit federal. Comparadas com isso, as aposentadorias dos trabalhadores governamentais, principal alvo dos cortes orçamentários, são uma gota dentro do oceano.

Mas a análise de Sachs é incompleta. Ele diz que o FMI "falhou", porque os grandes juros levaram à crise e depressão. Ele está errado. A crise é parte do plano.

Apenas sob o pânico econômico Rubin e o FMI poderiam soltar os Quatro Cavaleiros das Reformas: mate os gastos sociais, corte a folha de pagamento do governo, quebre a federação e, o grande prêmio, privatize empresas públicas lucrativas.

Mas Cardoso não é marionete feliz nas mãos de Rubin. Anteriormente sociólogo e especialista na teoria da dependência, ele deve estar triste pela perda da soberania financeira brasileira.

Ele sobreviveu às eleições, mas a oposição varreu o seu partido dos principais estados. Os novos governadores regionais não estão lamentando. Eles estão descobrindo os dentes dele.

Em Janeiro, o ex-presidente brasileiro Itamar Franco, eleito governador do estado de Minas Gerais, recusou-se a pagar os seus débitos com o Tesouro Federal. Seis outros governadores então disseram a Cardoso que qualquer pessoa sensível diria a qualquer vigarista que elevasse as taxas de juros dos empréstimos de 10 por cento para 60 por cento: vá para o inferno.

A imprensa trata Franco como um palhaço, alguém que tem inveja de Cardoso. O objetivo deles é desviar as atenções para bem longe da verdadeira ameaça a Cardoso e ao FMI, Olívio Dutra, o governador popular do estado do Rio Grande do Sul e a crescente estrela do Partido dos Trabalhadores. O filho de camponeses, este jovem, militante "suave" para a era da TV, transformou a capital do seu estado em um grande mostruário de desenvolvimento.

É Franco que eles atacam, mas é Dutra que eles temem. Cardoso está se esforçando ao máximo para punir os cidadãos do Rio Grande do Sul por elegerem Dutra, que não se recusou a efetuar os pagamentos ao governo federal, mas depositou, cerca de £ 27 milhões (27 milhões de libras esterlinas), em juízo.

Cardoso respondeu de forma depravada, bloqueando £37 milhões em impostos coletados para o estado de Dutra. O FMI bloqueou empréstimos ao Rio Grande.

Contatado por telefone em seu escritório em Porto Alegre, Dutra disse concordar que a crise requer sacrifícios. Ele demitiu trabalhadores governamentais. Mas ele teve a audácia de sugerir que a General Motors e a Ford deveriam juntar-se ao sacrifício e renunciarem às isenções fiscais (obtidas do governador anterior) e que agora sangram a tesouraria estadual.

O Brasil é uma nação rica. O seu Produto Interno Bruto (PIB), mesmo em depressão, é um terço de um trilhão de libras esterlinas. Mas como um animal que freneticamente corre em círculos, ele está perdendo a capacidade de reter o capital nacional, que é enviado para o exterior e acaba voltando na forma de empréstimos com taxas de juros usurpantes.

Este é o motivo pelo qual Dutra está especialmente agitado sobre o confisco, por privatização, do seu banco estadual de desenvolvimento, a locomotiva de autofinanciamento da expansão do Rio Grande.

O Governador, que não é bobo, não desperdiça disparos no humilhado Cardoso. Pela organização da resistência contra as exigências de Rubin e contra os termos dos empréstimos do FMI, Dutra, de forma perspicaz, não aponta para o marionete, mas para os manipuladores.

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