13 de fevereiro de 2016

Os socialistas vão levar os meus CDs do Kenny Loggins?

Os socialistas querem um mundo sem propriedade privada. Mas você pode guardar sua música horrível.

Bhaskar Sunkara


Ilustração por Phil Wrigglesworth / Jacobin

Tradução / Caro editor,

Estou interessado em ideias socialistas, mas estou preocupado com algumas coisas. Por exemplo, eu conseguiria manter inhas gravações de Kenny Loggins?

Uma exceção pode ser feita para mim, ou esta será uma situação parecida com uma comunidade, onde temos que sentar e conversar sobre nossos sentimentos e ouvir John Lennon o dia todo?

Obrigada,

Kiran T.
Filadélfia, PA

“Imagine”, o single icônico de John Lennon lançado em 1971, pede aos ouvintes que visualizem um mundo sem posses, sem ganância ou fome, em que os tesouros da terra são compartilhados por toda a humanidade. Não é surpreendente que a canção tenha se tornado um hino para gerações de sonhadores, mas ela também captura algo sobre a visão socialista – o poderoso desejo de colocar um fim na miséria e na opressão, e ajudar cada pessoa a atingir o seu potencial mais completo.

Mas o quadro pintado pela canção de Lennon pode ser um pouco preocupante para aqueles de nós que não querem um mundo sem posses pessoais – um tipo de comuna global onde nós somos forçados a vestir braceletes de cânhamo e compartilhar os nossos CDs do Kenny Loggins.

Felizmente, os socialistas não estão interessados em coletivizar a sua música. Não por que a gente não ame Kenny Loggins. Nós simplesmente não queremos um mundo sem propriedade pessoal – as coisas feitas para consumo individual. Ao invés disso, socialistas lutam por uma sociedade sem Propriedade Privada – as coisas que dão às pessoas que as possuem poder sobre aquelas que não possuem.

O poder criado pela propriedade privada está expresso mais claramente no mercado de trabalho, onde proprietários de negócios decidem quem merece um emprego e quem não merece, e são capazes de impor condições de trabalho que, se fossem dadas alternativas justas, pessoas comuns iriam recusar. E apesar dos trabalhadores fazerem a maior parte do verdadeiro trabalho em um emprego, os proprietários tem a voz unilateral sobre como os lucros serão divididos e não compensam os trabalhadores por todo o valor que eles produzem. Socialistas chamam esse fenômeno de exploração.

A exploração não é singular ao capitalismo. Ela aparece em qualquer sociedade de classes, e simplesmente significa que algumas pessoas são compelidas a trabalhar sob a direção de, e para o benefício de outras.

Comparado com sistemas de escravidão ou servidão, as dificuldades que muitos trabalhadores encaram hoje são menos imediatamente óbvias. Na maioria dos países eles tem proteções legais reais e podem cobrir necessidades básicas – um resultado de batalhas vencidas pelos movimentos de trabalhadores para limitar o escopo e a intensidade de exploração.

Mas a exploração sempre é apenas mitigada no capitalismo, nunca eliminada. Considere este exemplo (admitidamente abstrato): Digamos que você está sendo pago 15 dólares por hora por um proprietário em uma firma estável e lucrativa. Você tem trabalhado lá por cinco anos, e você dedica a ela cerca de 60 horas por semana.

Não importa com que se parece seu trabalho – se é fácil ou fatigante, tedioso ou excitante – uma coisa é certa: seu trabalho está produzindo mais (provavelmente muito mais) que 15 dólares por hora para o seu chefe. Essa diferença persistente entre o que você produz e o que você recebe de volta é exploração – uma fonte chave de lucros e riqueza no capitalismo.

E, é claro, com o seu salário você é forçado a comprar todas as coisas necessárias para uma boa vida – moradia, convênio de saúde, creche, educação superior – que são também mercadorias, produzidas por outros trabalhadores que também não são completamente remunerados por seus esforços.

Mudar radicalmente as coisas significaria levar embora a fonte do poder dos capitalistas: a posse privada da propriedade.

Em uma sociedade socialista – mesmo uma em que mercados fossem mantidos em esferas como a de bens de consumo – você e seus companheiros trabalhadores não passariam o dia fazendo outras pessoas ricas. Você receberia muito mais do valor que você produzisse. Isso poderia se traduzir em mais conforto material, ou, alternativamente, na possibilidade de decidir trabalhar menos sem perder compensação, para que você pudesse fazer algum curso ou adotar um hobby.

Isso pode parecer um sonho, mas é inteiramente plausível. Trabalhadores em todos os níveis de projeto, produção, e entrega sabem como fazer as coisas de que a sociedade precisa – eles as fazem todos os dias. Eles podem fazer funcionar seus ambientes de trabalho coletivamente, cortando fora o intermediário que possui a propriedade privada. De fato, o controle democrático sobre nossos ambientes de trabalho e as outras instituições que dão forma às nossas comunidades é a chave para acabar com a exploração.

Essa é a visão socialista: abolir a propriedade privada das coisas de que todos nós precisamos e usamos – fábricas, bancos, escritórios, recursos naturais, utilitários, infraestrutura de comunicação e transporte – e substituí-los por propriedade social, rebaixando assim o poder das elites de reservar para si riqueza e poder. E esse é também o apelo ético do socialismo: um mundo onde as pessoas não tentem controlar as outras para ganhos pessoais, mas ao invés disso cooperem para que todo mundo possa florescer.

Como propriedade pessoal, você pode manter seus CDs do Kenny Loggins.

De fato, em uma sociedade livre das destrutivas explosões econômicas endêmicas ao capitalismo, com mais segurança de emprego, e necessidades removidas da esfera do mercado, sua coleção de CDs estaria livre de perigo por que você não precisaria penhorá-la para arranjar dinheiro para o aluguel.

Esse é o socialismo em poucas palavras: menos John Lennon, mais Kenny Loggins.

Em solidariedade,

Bhaskar

Sobre o autor

Bhaskar Sunkara is the founding editor and publisher of Jacobin, and the author of The Socialist Manifest: The Case for Radical Politics in an Era of Extreme Inequality.

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