7 de maio de 2016

Será que precisamos de um "think thank" socialista?

Jason Stahl


Tradução / A entrevista de Bernie Sanders no New York Daily News, no mês passado, foi tida como prova por algumas pessoas de que ele teria pouco domínio sobre políticas públicas. Hillary Clinton chegou a avisar os eleitores de que Sanders “tinha [problemas] ao responder questões inclusive sobre seu principal tópico, ou seja, a luta contra os bancos”.

Os apoiadores de Clinton na grande mídia ecoaram as preocupações da candidata; os apoiadores de Sanders, por sua vez, defenderam o candidato deles.

Pode ser tentador lidar com essas posições somente como uma disputa partidária. Mas ela levanta uma questão que tem sido persistente durante esse período eleitoral.

Será que os candidatos deveriam ter total controle dos detalhes das políticas públicas, ou deveriam tentar inspirar os eleitores com grandiosas declarações sobre valores compartilhados? Será que os debates sobre políticas públicas pertencem aos tecnocratas, ou ao público em geral?

A campanha presidencial desse ano oferece três respostas diferentes.

Donald Trump representa uma ponta extrema. Seu clamor em prol de deportações massivas de imigrantes sem documentos, de proibição de entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e para uma enorme isenção tributária para a elite econômica mostra que ele liga muito pouco para as especificidades das suas políticas públicas ou mesmo para sua implementação. Sua desconexão com a tecnocracia está tão consolidada que ele raramente tem que lidar com questões feitas pela mídia sobre os detalhes de seus planos.

Do outro lado desse espectro, encontra-se Hillary Clinton. Ela é uma tecnocrata comprometida e que raramente discute as suas políticas em termos mais amplos ou morais. Segundo sua posição, políticas neoliberais planejadas cuidadosamente são a única saída possível e até mesmo isso pode ser ‘pedir muito’.

A estratégia de Clinton foi usada para deslegitimar Sanders. Ele representa uma terceira opção que argumenta que os detalhes das políticas públicas, ainda que importantes, não deveriam ficar no caminho de considerações mais importantes como a construção de movimentos e a necessidade de candidatos representarem os interesses das pessoas comuns nos debates políticos.

A falta de compromisso com as especificidades da política é uma crítica fácil a ser feita contra Sanders e pode vir a definir a sorte das futuras candidaturas socialistas na política eleitoral. Mas não há motivo para cedermos os terrenos tecnocráticos aos neoliberais. Um “think tank” socialista iria nos ajudar a ter certeza de que isso não ocorreria no futuro.

A comunidade baseada na realidade

Os “think tanks” tal como conhecemos hoje têm cerca de cem anos. Em 1927, os dois mais antigos “think tanks” (um deles iniciados em 1916) se fundiram e formaram o Brookings Institution. O Brookings foi uma entre várias instituições “liberais novas” que se formaram no início do século XX em oposição à ideologia do laissez-faire do século XIX. Eles prometeram reformar os males do capitalismo industrial a partir de pesquisas especializadas e de caráter empírico.

Instituições como o Brookings desenvolveriam políticas voltados para atender as necessidades das pessoas e funcionários dos governos iriam implementar essas políticas, geralmente estabelecendo novas instituições federais.

Muitas vezes, as elites corporativas entenderam que tais medidas eram preferíveis às outras alternativas dispostas, a dizer, as várias formas de radicalismo e a corrupção da política partidária.

Para consolidar essa nova instituição como algo ‘a parte’ do sistema, o Brookings consolidou uma identidade “não-partidária”. Seus associados falavam como tecnocratas ilustrados que entendiam o mundo melhor do que a ralé socialista ou os egoístas operadores dos partidos tradicionais.

A política “não-partidária” do Brookings permitiu que eles tivessem sucesso até se oporem a maior parte das iniciativas do New Deal durante a Grande Depressão. Acreditando que a Segurança Social e o programa de Recuperação Nacional da Indústria seriam intervenções excessivas do Estado na economia, a orientação reformista do ‘think tank’ não conseguiu abertura para adentrar na administração Roosevelt.

Essa orientação anti-New Deal continuou durante a administração Truman: o Brookings Institution se opôs às propostas de seguro de saúde nacional. Mas mudanças na equipe ocorridas nos anos 1950 mudaram fundamentalmente a presença do instituto.

O Brookings tornou-se um pilar do consenso tecnocrático liberal durante as administrações Kennedy e Johnson. Eles assinaram embaixo nos principais elementos do pacote Great Society, de Lyndon Johnson, fundindo assim objetivos político-morais com expertise tecnocrática.

Na festa de aniversário de cinquenta anos do Brooking, o president Johnson declarou: “vocês são uma instituição nacional, tão importante para o Executivo – e eu acredito que para o Congresso e para o país também – que se vocês não existissem, nós teríamos que pedir para alguém cria-los.”

Os “think tanks” conservadores como o American Enterprise Institute (AEI) reclamaram da enorme influência que o Brookings tinha no final da década de 1960. O Congresso e a Receita Federal (IRS) reprimiram o AEI sempre que ele ficava muito próximo dos Republicanos. A equipe do AEI argumentava que era exatamente isso que o Brookings estava fazendo com os Democratas – ou seja, disfarçando a construção de políticas públicas com uma aura de empirismo sócio-científico para disfarçar acusações de partidarismo – mas com a diferença de que eles estavam se safando.

O AEI posteriormente acusou tanto os Democratas como o governo federal de terem sido ‘engolidos’ por instituições pró-liberais e que elas seriam responsáveis por um grande número de crises domésticas e internacionais. Aqueles que estavam no AEI e em outras instituições políticas conservadoras, como a Hoover Institution, argumentaram que suas vozes precisavam ser amplificadas dentro de um mercado de políticas públicas em que se criassem soluções conservadoras para tais crises.

Como resultado desses debates, o AEI e posteriormente a Heritage Foundation, mudaram a forma como os americanos passaram a entender os debates sobre políticas públicas. A suposta “objetividade” do debate político fora substituída por um “mercado das ideias”, no qual a identidade conservadora, mais do que o mérito de suas propostas, tornou-se central.

As críticas dos conservadores tinham algum mérito. O consenso liberal limitou os debates da direita e da esquerda. Mas um “mercado de ideias” com diversidade nunca fez parte da agenda deles.

Ao invés disso, os conservadores ficaram obcecados com a necessidade de um “equilíbrio” nos debates de políticas públicas. Num mercado que fosse “equilibrado”, todavia, havia apenas duas posições: a “liberal” e a “conservadora”.

Enquanto as políticas identificadas como “conservadoras” podiam ser rigorosamente pensadas e planejadas do ponto de vista tecnocrático, elas não precisavam ser – e na maior parte do tempo, elas não eram. E esse foi o início da longa descida em direção a candidatura de Donald Trump.

O primeiro exemplo disso foi a chamada “isenção tributária da economia pelo lado da oferta” (supply-side tax cuts) durante o primeiro mandato de Reagan. Os aparatos dos “think tanks” conservadores venderam a ideia de que uma isenção tributária para a elite econômica baseados na noção de que eles trariam resultados e não causariam perda na renda tributária do governo, mesmo que acompanhadas por cortes em serviços governamentais.

Os principais opositores dessa lei argumentaram que a isenção tributária sem reduções correspondentes nos gastos poderia levar os Estados Unidos a um verdadeiro abismo fiscal.

Irving Kristol, porta-voz do neoconservadorismo e sócio do AEI, respondeu na época: “o neoconservadorismo está disposto a deixar esses problemas para que os interregnum liberais lidem com eles. Ele deseja moldar o futuro e vai deixar para que seus oponentes limpem a bagunça depois.”

Tal atitude se tornou o ethos dominante de boa parte do Partido Republicano e de seus candidatos: proponham grandes ideias que moldarão o futuro sem se preocupar com as especificidades políticas, sua implementação ou suas consequências.

Os principais Democratas compraram a visão de Kristol, prometendo “limpar a bagunça depois” e serem melhores gerentes tecnocratas e formadores de políticas públicas do que seus colegas Republicanos.

De certa forma, isso fazia sentido. Como a presidência de Bill Clinton deu a entender, há um desejo público para uma governança sadia e empírica. Incitado por “think tanks” como o Democratic Leadership Council, Clinton retomou muitas das ideias conservadoras – as mais importantes sendo a welfare reform e a criação do NAFTA – e administrou-as com extremo zelo, de uma forma que os governos Republicanos nunca poderiam imitar.

Os oito anos de governo de George W. Bush solidificaram as orientações Republicanas e Democratas perante a produção de políticas públicas.

George W. Bush sonhou com múltiplas e catastróficas guerras no exterior, assim como gigantescas e mal planejadas políticas domésticas, incluindo aqui um retorno às isenções fiscais. Assim como as isenções da era Reagan, elas redistribuíram a riqueza somente para o andar de cima, exacerbando a desigualdade econômica.

A orientação política do Partido Republicano foi perfeitamente sintetizada pelo braço direito de Bush, Karl Rove. Como ele mesmo dissera ao jornalista Ron Suskind em 2004, os membros da administração não eram “parte de uma comunidade baseada na realidade”. Com isso, Rove queria dizer que ele não acreditava que as “soluções emergiriam do estudo cuidadoso de uma realidade discernível”. De acordo com Rove,

“O mundo não funciona mais desse jeito... Nós somos um império agora e quando nós agimos, nós criamos nossa própria realidade. E enquanto nós estudamos essa realidade – de forma cuidadosa, se quiserem – nós vamos agir de novo, criando novas realidades, as quais nós também podemos estudar e vai ser assim que as coisas vão acontecer. Nós somos os atores da História (...) e a vocês, todos vocês, restará apenas estudar o que nós fizemos.”

Uma rejeição mais explícita da ideia de especialidade da tecnocracia administrativa não poderia ser encontrada em outra parte.

Os Democratas, por sua vez, adotaram a identidade zelosa como uma alternativa a visão de mundo de Rove, vendo assim os tecnocratas como a única resposta racional ao pensamento mágico Republicano.

Obama, e agora Hillary Clinton, moldaram cuidadosamente essa ideologia dentro da política do Partido Democrata. Todavia, quanto mais fica apertada a camisa de força tecnocrática – tal como Hillary Clinton tem feito – mais ela sacrifica a imaginação política.

Foi aí que Sanders encontrou sua abertura. Ao exigir que imaginemos políticas capazes de criar novos mundos, Sanders está claramente procurando lançar uma posição socialista no ‘mercado de ideias’, aquele espaço onde o zelo tecnocrático da produção política é menos importante do que as grandes ideias.

Movimento e política

Organizações tradicionais de mídia, as quais a maior parte das equipes estão ansiosas para mostrar suas credenciais “baseadas na realidade”, têm usado essa orientação de Sanders contra ele. Clinton praticamente trouxe todos os criadores de políticas públicas Democratas para sua campanha – até mesmo aqueles que talvez estivessem mais inclinados a votar em Sanders. Isso deixou o pré-candidato basicamente por conta própria na tentativa de oferecer defesas tecnocratas contra seus críticos.

Mas tais defesas não são responsabilidade dele. Sanders deve permanecer focado em conectar-se com seus eleitores com os termos mais amplos possíveis se ele pretende construir um movimento.

A produção de políticas públicas dos socialistas e suas defesas precisam vir de outros lugares. É por isso que precisamos de um “think tank” socialista – para garantir que as políticas tocadas pelos candidatos progressistas estão sendo geradas por instituições vinculadas aos interesses dos trabalhadores.

Nós podemos nos preocupar que os projetos políticos das elites possam eventualmente distrair a construção do movimento socialista e de uma política mais ampla. Mas não precisa ser esse o caso.

A Heritage Foundation, instituição de direita, é um modelo útil nesse sentido. Ao contrário de muitos outros “think tanks” que existem, a Heritage está profundamente conectada aos movimentos conservadores de base. Ela possui uma extensa rede de doação de pequenas quantias junto com as imensas doações privadas e corporativas.

Mais do que isso, os ativistas jovens e conservadores procurando um começo para suas carreiras políticas encontraram um lar na Heritage Foundation. A partir de sua subsidiária, a Heritage Action, conseguiu-se engajar-se ainda mais em direção aos movimentos políticos conservadores. Não há motivo para que um “think tank” socialista não possa emular esse modelo de cima-para-baixo e de-baixo-para-cima.

A maioria das defesas tecnocratas das políticas de Sanders tem sido produzidas bastante informalmente. Se esperamos que os futuros candidatos socialistas em âmbito local, estadual e nacional tenham sucesso, eles não podem desistir dos debates sobre políticas públicas com os candidatos neoliberais. Conceder essa derrota serve apenas para manter a noção reificada de que os neoliberais são os únicos que possuem uma agenda “factível”.

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