8 de julho de 2017

Um cinturão da ferrugem inglês?

Para ganhar poder, o corbynismo precisa desafiar a presença conservadora rastejante no antigo centro industrial da Inglaterra

Alex Niven


Estandartes dos sindicatos reunidos para a Festa dos Mineiros de Durham em 2008.

Tradução / De repente, estamos no meio de um momento populista, com toda a vertigem que isso implica. A exibição inesperadamente boa dos trabalhistas nas eleições gerais britânicas levou a um abrandamento abrupto e dramático dos horizontes, no meio do qual Gramsci é citado casualmente por jornalistas de folhetim e a possibilidade de um primeiro-ministro socialista parece tentadoramente ao alcance.

Os esquerdistas no Reino Unido e em todo o mundo devem permitir-se um momento de sonhos perigosos neste momento. O "trabalhismo sensível" teve seu dia. Durante o último mês, a crença antiga de que devemos valorizar o pragmatismo acima de tudo diminuiu rapidamente. Na verdade, uma ironia trágica de 2017 é que o falecido Mark Fisher - que argumentou tão apaixonadamente que a mudança radical no século XXI seria provocada por uma rejeição decisiva do "realismo capitalista" - não está prestes a testemunhar a rapidez com que a cautela estratégica está dando lugar a surtos de idealismo efusivo.

O levante Corbyn sem dúvida marca o ponto de maturação de uma nova e notável forma de esquerda popular. Mas não suficientemente popular para avançar sobre o poder dia 8 de junho. A força estará agora com Corbyn para fazer precisamente isso nas próximas eleições, como mostram hoje as pesquisas de opinião? Ou há fragilidades estratégicas mais profundas na estratégia do Trabalhismo britânico?

No próximo fim de semana, a Festa dos Mineiros de Durham reunirá milhares de socialistas de todo o país, no nordeste da Inglaterra. Pela primeira vez em muitos anos há crença genuína de que seja iminente na Grã Bretanha um governo chefiado pela esquerda. Mas a reunião acontecerá numa parte do país onde a eclosão do corbynismo foi muito irregular e instável – e o futuro daquela eclosão parece muito incerto.

Um dos resultados mais satisfatórios das consequências da eleição foi o espetáculo de corbyncéticos engolindo suas palavras, às vezes, literalmente. Mas, ao lado de uma série de mea culpas, desde admissões aparentemente genuínas até estranhos apelos à responsabilidade coletiva, também houve algumas respostas do tipo "lamento, mas nem tanto", que, apesar de serem espirituosas, fornecem ressalvas interessantes para a história do sucesso trabalhista de 2017.

Entre estes, destacou-se uma diatribe do deputado trabalhista corbyncético de longa data John Mann, publicada no site da Política Home. Depois de um pouco debruçar o capim para a conquista notável de Corbyn em "detonar" os lugares comuns monetaristas das últimas décadas, Mann exigiu que o Trabalhista agora abordasse o que ele chama de "pergunta Bolsover".

A frase de Mann encarna o que o deputado vê como um problema residual na fórmula corbynista. Bolsover é um distrito eleitoral no leste da Inglaterra, que assistiu a uma mudança de 7,75% de eleitores do Partido Trabalhista para o Partido Conservador (Tories), a segunda maior mudança desse tipo na eleição em todo o país. Embora nesse caso a mudança não tenha sido suficiente para deixar fora do Parlamento o deputado Trabalhista Denis Skinner (veterano militante da esquerda, muito eloquente, famoso pelos ditos anti-Tory cortantes), mudanças similares em distritos eleitorais vizinhos, de Mansfield e North Derbyshire elegeram candidatos Tories em conhecidos tradicionais redutos dos trabalhistas, dois dos raros avanços contra os trabalhistas, da eleição de junho.

Para Mann, essa mudança de vermelho para azul no leste é sinal de que, embora Corbyn talvez tenha vencido a discussão ao se opor à austeridade e ao pregar a "equidade" (conceito nebuloso bem-amado dos centristas de 2010), ele ainda resiste contra as "aspirações da classe trabalhadora branca em áreas industriais." Para Mann, ao deixar de lado esse grupo demográfico, "nos arriscamos a cair na política de Trump e do cinturão de fábricas enferrujadas, ou ainda pior."

Os termos de Mann mais confundem do que esclarecem, fazendo lembrar o jargão silogístico do blairismo (felizmente, forma artística já ultrapassada). Mann diz que os problemas de Corbyn com eleitores trabalhistas tradicionais brotariam da posição dele sobre armas nucleares e terrorismo, e cita a dificuldade de Corbyn, que não "condena sem meias palavras toda e qualquer violência do IRA."

Há furos enormes na teoria social de Mann. Depois de anos de floreios e flertes centristas com o conservadorismo social, a ideia de "classe trabalhadora branca" tem sido recentemente muito mais profundamente examinada, revelando o quanto se deve suspeitar dessa mistura de raça e classe. Ainda que essa demografia existisse, deveríamos por isso acreditar que ela se oporia, em bloco, oposição militarista, ao Republicanismo Irlandês e à preservação do arsenal nuclear?

Contudo, por mais que a "questão Bolsover" de Mann esteja mal proposta e tenha raízes em clichês do Blue Labour, não é necessariamente a pergunta mais errada a propor. Pode-se dizer, tomando emprestado um axioma de Ian Brown, vocalista da banda Stone Roses, que Mann parece ter pegado o porrete certo, mas pela ponta errada. Será que o apoio hoje reduzido de certa ala da classe trabalhadora mais tradicional poderia ser mesmo um obstáculo na trilha até a hegemonia eleitoral de Corbyn?

Pouco nos ajuda, nesse contexto, qualquer comparação acovardada com o trumpismo e a base de apoio que encontrou no "Cinturão da Ferrugem" (apoio o qual, ele mesmo, é altamente discutível). Mas não pode haver dúvida de que, em algumas partes da Inglaterra e em anos recentes, comunidades da classe trabalhadora industrial foram arrastadas – embora de forma não conclusiva até agora – para a direita, mesmo numa eleição em 2017 que, sob incontáveis outros aspectos, foi fracasso retumbante para o conservadorismo inglês.

No nordeste da Inglaterra, onde eu vivo e fiz campanha para os trabalhistas este ano, a maioria dos assentos testemunhou uma oscilação dos trabalhistas para os conservadores. Isto aponta para uma fraqueza neste longo período de trabalhismo do coração do país, uma região que ainda não se recuperou completamente da remoção cirúrgica de sua base de fabricação (carvão, aço, construção naval) no período neoliberal.

A verdade é que a oscilação de Trabalhistas para Conservadores no nordeste da Inglaterra em 2017 foi relativamente modesta. Só em um distrito eleitoral, Middlesbrough South & East Cleveland (área praticamente de classe média, vizinha do distrito de North Yorkshire, rural e conservador) e que realmente votou com os conservadores. No restante do país, nos ex-campos de carvão, hoje em depressão profunda, de Northumberland e Condado de Durham, a oscilação não ultrapassou 4% (usualmente menos) e não foi suficiente para inverter as maiorias trabalhistas. O Partido Trabalhista venceu os Conservadores no distrito eleitoral de Stockton South, com oscilação de quase 6%, e mudanças de azul para vermelho em quase 1/3 dos assentos parlamentares do nordeste resultaram em aumento dramático das maiorias trabalhistas em grandes centros urbanos, como Newcastle.

Como essas nuanças reforçam, temos de desconfiar muito desse tipo de estereotipo regional que se tornou frequente em todo o comentário político londrino em anos recentes – sobretudo depois que o Brexit e o "levante do UKIP" ofereceram incontáveis desculpas para pintar os eventos no norte como ressaca racista.

Deve-se esperar que a energia atual da campanha pós-eleitoral corbynista, que agora, quase miraculosamente, está invocando uma revolução permanente, seja suficiente para cancelar os ganhos embora moderados e análogos dos Conservadores no nordeste e East Midlands. Houve uma diferença de ritmo na campanha eleitoral: algumas áreas do país demoraram a aderir ao "levante Corbyn", mas podem bem fazê-lo agora, quando o humor popular já mudou decisivamente.

Mesmo assim, há provas de sobra de uma intimidante presença conservadora no "Cinturão Inglês da Ferrugem", especialmente em cidades pós-industriais menores como Stoke-on-Trent e Sunderland, para sublinhar que essa oscilação à direita é um dos desafios, e terá de ser enfrentado como tal, no caminho de um Partido Trabalhista em ascensão recentemente radicalizado.

A Direita do Partido Trabalhista fez dessa a sua principal linha de ataque contra a liderança de Corbyn no início da eleição, produzindo pesquisa que mostrava o partido como o último, na preferência dos trabalhadores de mais alta qualificação. O deputado Graham Jones resumiu as preocupações de eleitores da classe trabalhadora tradicional como "contraterrorismo, nacionalismo, defesa e comunidade, contenção de ameaças nucleares e patriotismo." Se essa linha predominar, significará considerável neutralização do potencial de radicalismo do corbynismo.

Mas isso não significa que não haja um problema a ser abordado. Então, o que deve fazer o Partido Trabalhista de Corbyn para fortalecer o apoio nesses redutos do trabalhismo que se tornaram agnósticos como resultado de anos de negligência por sucessivos governos neoliberais, de Thatcher e Blair a Cameron e May?

Dado que locais como Derbyshire & o Condado de Durham foram crucialmente decisivos também nos séculos XIX e XX, parece óbvio que seriam bom local para começar uma campanha dinâmica de ressindicalização. Com o número de filiados sindicalizados ainda em queda livre, há alguma urgência para que se organize a força de trabalho que subsiste fora dos grandes centros urbanos.

Em todas as áreas do norte e terras médias, a grande maioria dos trabalhadores são apanhados entre o setor público desempoderado, os salários congelados da indústria sufocada de serviços, e o submundo obscuro da economia de Sports Direct (caso da fábrica central do império de roupa esportiva de Mike Ashley, que se tornou sinônimo de exploração em tempo integral na Grã-Bretanha moderna, instalada no distrito eleitoral de Bolsover). Nesse contexto, o número de novos sindicalizados deveria estar subindo sem parar, não despencando como se vê hoje.

Não será suficiente para as lideranças sindicais de esquerda que apoiam Corbyn discutir as políticas corbynistas. Aquelas lideranças terão necessariamente de renovar o foco, e reorientar-se para construir poder nos locais de trabalho e aumentar a participação nos sindicatos. Essa mensagem já começa a circular entre os trabalhadores corbynistas, com apoio de secretários-gerais como Dave Ward, do Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação da Grã-Bretanha, que reconheceu que "vemos a política quase como uma desculpa para não estar nas fábricas e não influenciar mudança alguma, porque a mudança tornou-se muito difícil."

Também crucial nesta conjuntura, à medida que as possibilidades se multiplicam, é uma contrapartida trabalhista convincente do antigo ao esquema de "Northern Powerhouse" do ex-chanceler do Tory George Osborne, cada vez mais desacreditado. Talvez a última grande paixão neoliberal, Osborne procurou abordar a disparidade econômica entre o norte e o sul, construindo Manchester como uma capital financeira de segundo nível e apelando para a introdução de prefeituras promocionais nas maiores cidades do norte (Manchester, Liverpool, Leeds, Sheffield, Hull, Newcastle).

Como aconteceu a tantas quimeras conservadoras dos anos 2010, o projeto de Osborne parece hoje absurdamente ultrapassado. O Partido Trabalhista deve colher essa oportunidade e expandir uma estratégia industrial de John McDonnell e dar-lhe foco popular e regionalista. O Partido Trabalhista sob Corbyn chegou a flertar com essa ideia – quando anunciaram um banco e um conselho do Norte. Mas, embora o manifesto, sim, incluísse referência a iniciativas financeiras locais e à democracia, omitiu as ênfases específicas.

Essas políticas tinham por base o documento da "Northern Future", que prometia "rompimento declarado com uma economia que só se foca no que interessa à City de Londres." Aquelas propostas – que iam de indústria e democracia até cultura e educação – seriam desenvolvidas para gerar oferta que interessasse, e que proveria um caminho para encerrar o capítulo de décadas de decadência planejada imposta pelo norte por governos sucessivos.

A eleição de 2017 viu uma recalibração de tradicionais noções de classe na Grã-Bretanha, com a emergência de um novo proletariado que apoia Corbyn, dos jovens trabalhadores precários, de minorias étnicas, profissionais espremidos, e as massas mal sucedidas. De repente, parafraseando Henry James, nos pomos a supor coisas incontáveis e maravilhosas. Mas, para consolidar completamente a ocupação da paisagem eleitoral britânica, o Partido Trabalhista de Corbyn tem de deter o movimento pelo qual os Conservadores estão vazando de cima para baixo da pirâmide econômica na direção das cidades e vilas mineiras e do aço abandonadas na Inglaterra, e recuperar aquelas vozes marginais, para uma releitura renovada e estimulante do socialismo do século 21.

Sobre o autor

Alex Niven é professor conferencista de Literatura Inglesa na Newcastle University e editor de Repeater Books. Seu primeiro livro, Folk Opposition, foi publicado pela Editora Zero Books em 2011.

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