12 de setembro de 2017

Fim das sanções

As sanções draconianas de Trump contra a Venezuela irão atingir os trabalhadores do país e os mais pobres.

Branko Marcetic


Caracas, Venezuela. Miguel "Mickey" González Azuaje / Flickr

Traduções / No que a este ponto tal atitude só pode ser considerada como parte de uma missão para inflamar o caos e a desordem em todo o mundo, a administração Trump nos últimos meses impôs uma série de sanções contra a Venezuela, um país em meio a uma crise política que já dura meses.

A justificativa oficial para as sanções são os “graves abusos dos direitos humanos” por parte do governo venezuelano, a repressão contra a oposição política, a dissolução de seu parlamento eleito e seu papel na crise humanitária do país. Mas, tendo em vista os comentários do presidente Trump de que ele poderá decidir por uma “opção militar” para resolver a crise no país, juntamente com o fato de que a Venezuela não representa uma ameaça para os Estados Unidos, é seguro assumir que tais sanções têm como objetivo fazer com que o processo de derrubada do Governo da Venezuela seja mais rápido e mais fácil.

Em julho passado, a administração de Trump tornou ilegal qualquer negociação com a PDVSA, empresa estatal de petróleo e gás natural da Venezuela, para toda e qualquer pessoa física ou empresa norte-americana. Em seguida, em agosto, a administração Trump colocou restrições à negociação de títulos que a Venezuela vende nos mercados financeiros dos EUA para levantar recursos financeiros, e proibiu a Citgo, subsidiária norte americana da PDVSA, de enviar lucros para sua matriz na Venezuela. Além disso, as sanções financeiras atingiram vinte pessoas físicas próximas ao governo venezuelano, incluindo o próprio presidente Nicolás Maduro.

Alguns já elogiaram as sanções do governo norte-americano como admiravelmente contidas.

“Se formos honestos a respeito disso, chegaremos à conclusão de que isso não terá muito efeito além do efeito político simplesmente”, escreveu Tim Worstall da Forbes. “O efeito econômico simplesmente não vai ser assim tão grande”.

Escrevendo no Miami Herald, Neil Bhatiya, do Centro para Nova Segurança Americana afirmou que “a administração norte-americana parece indicar que está ciente das armadilhas de sanções severas”, e que “tentou encontrar um equilíbrio entre aumentar a pressão sobre Maduro e, ao mesmo tempo minimizar as consequências mais severas para o povo venezuelano. “A criação de um “caos macroeconômico” no país seria simplesmente agir de maneira a ceder vantagem ao governo Maduro, argumenta ele, fazendo com que a atual crise da Venezuela pareça ser apenas um produto da intromissão norte-americana.

O New York Times, por sua vez, chamou as sanções de “limitadas” e enfatizou suas “grandes lacunas”.

É verdade que a administração norte-americana não chegou tão longe quanto poderia ter chegado. E se recusou a proibir as importações norte-americanas de petróleo bruto venezuelano, por exemplo, o que teria sido catastrófico – o Livro de Fontes da Indústria Extrativista argumenta que a “economia venezuelana é totalmente dependente de suas exportações de petróleo”. (Também não sejamos muito rápidos para louvar a presunção de misericórdia da administração estadunidense – as refinarias americanas pressionaram contra tal medida, uma vez que ela prejudicaria as companhias de petróleo norte-americanas bem como os consumidores dos EUA).

Mas é difícil acreditar que as sanções não terão um grande impacto na economia venezuelana e, mais ainda, para os venezuelanos comuns que dependem do petróleo. Embora os números exatos não sejam conhecidos, pensa-se que o petróleo represente entre 80 e 95% da receita de exportação do país e cerca de um terço do seu PIB. Para se ter uma noção de como a economia venezuelana está ligada à fortuna de seu setor de petróleo, considere que quando o preço do petróleo quase se reduziu à metade em 2014, o PIB da Venezuela contraiu-se em 10%. E os preços estão ainda mais baixos agora.

Além disso, a PDVSA é essencialmente a economia venezuelana. É a maior empregadora do país e, de acordo com a OCDE, ela existe como “um fundo extra orçamentário para gerenciar a maioria dos novos programas sociais do governo”, ela é obrigada a investir 10% do orçamento de investimento anual nesses programas. Estes programas incluem serviços vitais, como clínicas médicas, universidades e educação gratuitas, bem como centros de alimentos com descontos em áreas empobrecidas.

Portanto, mesmo sanções “restritas” na PDVSA – restringindo seu acesso ao crédito em um momento em que o país tem que pagar US$ 3,8 bilhões em dívidas nos próximos três meses – provavelmente afetarão os venezuelanos comuns, particularmente porque o país sofre uma aguda crise alimentar, que já se arrasta por mais de dois anos. Proibir que a Citgo envie lucros para sua matriz na Venezuela simplesmente não concederá a ela o que é necessário, ou seja, fará diminuir ainda mais os seus recursos financeiros, exacerbando o cenário atual.

Há indícios de que já estamos vendo as repercussões negativas disto. No início de agosto, o vice-presidente da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela afirmou que os esforços do governo para trazer dez navios carregados de açúcar bruto foram frustrados pelo fato de não poderem pagar pela carga. Além disso, ele disse que as sanções bloquearam o pagamento de 18 milhões de caixas de comida, o que foi corrigido somente quando os aliados da Venezuela intervieram no processo de pagamento.

É por essa razão que o economista Mark Weisbrot soou o alarme sobre as sanções, chamando-as de “sanções muito severas” das quais ele “não se lembra de alguma vez terem sido utilizadas, exceto em casos como o Irã ou a Rússia” ou a Coréia do Norte, onde foram justificadas com base nos programas nucleares desses países, algo do qual a Venezuela carece.

“Ao impedir que a economia obtenha divisas, essa ação prejudicará o setor privado, a maioria dos venezuelanos, os pobres e os vulneráveis”, escreveu ele no mês passado no Hill, acrescentando que, cortar a maioria das fontes de financiamento para o país, provocaria a queda mais acentuada das importações, levando a mais escassez.

O fim do jogo aqui não é particularmente difícil de se descobrir. Além de algumas ações pesadas do governo de Maduro, a falta de alimentos da Venezuela tem sido um dos principais contribuintes para o sentimento antigovernamental no país, juntamente com a redução dos serviços sociais diante da diminuição da receita do petróleo. Se a administração de Trump colocar um aperto adicional sobre as finanças do governo venezuelano, esse conflito só vai se inflamar ainda mais, talvez levando à expulsão de Maduro.Portanto, não acredite na afirmação de que as sanções contra a Venezuela são motivadas por preocupações humanitárias. Incentivar a miséria humana é, por objetivo, seu único propósito.

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