17 de janeiro de 2020

Hollywood também desconfia de golpe

Documentário de Petra Costa apenas corrobora o que todos no mundo já desconfiavam

Nelson Barbosa


A diretora Petra Costa durante as filmagens do documentário "Democracia em Vertigem". É dela também as obras de ficção "Elena" e "O Olmo e a Gaivota". Diego Bresani/Divulgação

O documentário “Democracia em Vertigem” foi indicado ao Oscar de melhor documentário. O filme é realmente muito bom, misturando o que aconteceu no Brasil em 2015-16 com a interpretação e a vida da diretora.

Para quem não assistiu, sugiro ver logo na Netflix, antes que um juiz obscurantista decida suspender a exibição. E mesmo quem odeia o PT deveria assistir, para poder criticar o longa de Petra Costa com mais fundamento.

Não sei se o documentário ganhará. Torço para que sim, mas a competição é difícil, se é que isso deveria existir entre obras de arte. Dos outros documentários listados, por enquanto só assisti a “American Factory”, que também está na Netflix e é sensacional. Os outros devem estar no mesmo nível.

A indicação para o Oscar já é uma grande vitória para o cinema brasileiro, mas mesmo assim houve quem torcesse o nariz para Hollywood. Como diz aquele ditado popular: a inveja é uma... deixa para lá.

O documentário de Petra Costa apenas corrobora o que todos no mundo já desconfiavam, houve golpe parlamentar no Brasil em 2016 (com impeachment sem crime de responsabilidade) e continuação em 2018 (com a prisão de Lula por ato indeterminado de ofício).

Pausa para os negacionistas de plantão: dizer que houve golpe não significa que não houve erros por parte dos governos do PT. Houve vários erros, econômicos e políticos, e também houve muitos acertos. Por maiores que os erros tenham sido, eles não justificam inventar crime fiscal, que nunca havia sido caracterizado como crime até então, para derrubar o governo por motivos políticos. Até Temer reconheceu isso, em ato falho.

No mesmo sentido, apontar o caráter político da condenação de Lula não implica defender a corrupção, pois, afinal, foram os próprios governos do PT que deram mais poder aos órgãos de investigação e controle para conduzir suas ações.

Todo governo, independentemente de orientação política, tem o dever de combater a corrupção, mas poucos o fazem de modo imparcial.

Quer um exemplo? Compare os anos petistas com a situação atual. Sob Lula e Dilma houve liberdade e transparência na investigação de diversas autoridades do governo. E hoje? Da rachadinha de Queiroz ao assassinato de Marielle e Anderson, passando pela investigação de ministros de Bolsonaro, temos atrasos, lacunas e diversionismo.

Volto ao documentário de Petra Costa. Ninguém derruba presidente e interfere em eleições presidenciais sem deixar sequelas. Nossa maior sequela está hoje no Planalto.

Temos um governo de extremistas ideológicos, terraplanistas econômicos e hipócritas no combate à corrupção. Temos também paralisação administrativa, fruto da insegurança jurídica de derrubar um governo e prender um ex-presidente “flexibilizando” a Constituição.

Quanto tempo durará isso? O golpe de 1964 durou 20 anos. O atual completará 4 anos em maio. Espero que não tenha vida longa, mas isso depende da defesa de nossa democracia contra os absurdos do triunvirato MMM (mídia-mercado-magistrados).

E, para quem odiou “Democracia em Vertigem”, sempre há a série de ficção “O Mecanismo” ou a chanchada “Real – O Plano por Trás da História”. As duas obras poderiam ganhar o “tucanoscar”, com apresentação por Luciano Huck, em evento do Instituto Millenium, com direito a tapete vermelho, quero dizer, azul.

Para os demais que gostam de cinema, não deixem de assistir a “Parasita”, indicado ao Oscar em seis categorias, incluindo melhor filme. A história se passa na Coreia do Sul, mas poderia ser aqui. É disparado o melhor filme do ano.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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